Como um bom internauta sempre atento ao tópicos da grande conversa de bar que é a internet, tive a minha atenção capturada por uma crescente comunidade de fãs de uma série animada exibida na Nickelodeon entre 2005 e 2008. Avatar: A Lenda de Aang. Já que não a assisti quando criança, não entendi porque essa série estava sendo resgatada com tanto fascínio mais de uma década depois — e uma grande interrogação se instalou na minha mente: Por que Avatar é tão relevante?
Na verdade, obtive uma pequena resposta antes mesmo de começar a assistir, afinal logo me deparei com a notícia que A Netflix havia confirmado a produção de uma série live-action ambientada no mundo de Avatar, além de que todas as temporadas estão disponíveis no catálogo do serviço de streaming. Então foi fácil identificar uma grande responsável pela retomada da animosidade pela animação.
Mas mesmo assim decidi começar a ver Avatar, tanto pela insistência (muita insistência) de amigos, quanto por uma curiosidade legítima de entender melhor a adoração de tantas pessoas pela obra. E desde os primeiros episódios, tudo fez muito sentido.
Na minha opinião, Avatar é tão relevante principalmente pelos seus temas. Ambientada em um mundo fictício, mas claramente inspirado na China e outros países do leste asiático, todos os temas da série estão ancorados em situações, dilemas e conflitos da realidade (por mais que ursos-ornitorrinco e dominadores de elementos possam soar irreais). Avatar apresenta, de um jeito profundo e sensível, discussões sobre guerra, imperialismo, colonização, genocídio, sexismo, preservação da natureza, (pausa pra respirar), disputas políticas, fanatismo religioso, paixões adolescentes, direitos dos animais, tradições, redenções, perdões e muito, muito mais.
Mesmo com tantos temas relevantes, seria injusto deixar de citar outros fatores que contribuem muito para o sucesso de Avatar, como os personagens complexos e extremamente carismáticos que surfaram bem em tendências atuais.
Por exemplo, praticamente todas as pessoas em Avatar são asiáticas ou pelo menos não brancas, o que já rompe logo de cara com padrões da indústria cultural norteamericana, sempre colocando os heróis brancos dos Estados Unidos contra os vilões “estrangeiros”.
E por falar nos vilões, a série também rompe com o maniqueísmo ao não repousar nas narrativas simples e confortáveis de bem contra mal: Todos os personagens de Avatar são complexos, bem construídos e todas as suas ações e motivações são explicadas.
Mesmo os antagonistas como Zuko (que, sem grandes spoilers, mas tem um dos arcos mais emocionantes da série) e sua irmã Azula, não se limitam ao simples “matar o Avatar e dominar o mundo”. Bem longe disso, por sinal.
Até mesmo a terrível cruzada imperialista da nação do fogo é bem embasada e plausível no contexto daquele mundo. Afinal, ela foi baseada em acontecimentos políticos e sociais do nosso mundo…
E como não poderia faltar, o roteiro da série aproveita muito bem todos esses elementos riquíssimos. Tudo é bem aproveitado, tudo tem significado, tudo está conectado. A história é orgânica e natural, como os 4 elementos da natureza, os 4 elementos de Avatar.
E por falar em Avatar, pra mim o grande apelo que torna a série tão relevante está exatamente no que ele representa. O conceito de Avatar tem origem no hinduismo e está associada a uma reencarnação divina, a descida de Deus à Terra. Algo bem próximo do que Aang significa ao longo de toda a série.
Não é necessariamente uma referência oficial da animação, mas vale a pena citar que Avatar: A Lenda de Aang foi produzida num contexto de guerras arrasadoras no período de forte tensão internacional entre Estados Unidos e Oriente Médio, do pós 11 de setembro de 2001. Atualmente também passamos por um período catastrófico devido a pandemia do coronavírus e fortes crises políticas, econômicas e sociais.
Não é uma frase do Tio Iroh, mas acho bom apontar que quando a realidade é insuportável, a ficção se torna o nosso refúgio.
E Avatar ilustra bem isso. Aang significa bem mais do que um personagem em uma série animada. Ele significa o equilíbrio, a conexão, a união entre as pessoas, povos e nações (desejo esse que se acentua cada vez mais hoje em dia). Uma representação no mínimo inspiradora para momentos de tanto caos e incerteza como o que vivemos agora.
E considerando todo esse contexto, no momento é muito tentador acreditar que alguém como Aang pudesse salvar o nosso mundo.
OBS: Levando tudo isso em consideração, não acho exagero comparar Avatar com Game of Thrones. Por sinal, não acho exagero dizer que Avatar é melhor e mais maduro que Game of Thrones, como bem argumentado pelo Cinema com Rapadura aqui.