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Por que “A Maldição da Mansão Bly” é a pior criação de Mike Flanagan

By Juca

October 28, 2021

Mike Flanagan é um cineasta conhecido por suas produções do gênero terror. Ele tem três séries de sucesso: “A Maldição da Residência Hill” (2018), “A Maldição da Mansão Bly” (2020) e “Missa da Meia Noite” (2021). As três são sobrenaturais e começam com o espectador absolutamente no escuro em relação ao que os personagens estão enfrentando. A maneira com que isso é revelado, para mim, é o que divide suas produções boas de Mansão Bly.

A Maldição da Residência Hill

A primeira série de Flanagan conta a história de uma família que passou por experiências traumáticas na Residência Hill quando os filhos eram crianças. A série alterna entre mostrá-los adultos, lidando com o trauma décadas depois, e crianças, ativamente vivendo-o.

Essa sacada é uma das maiores genialidades da série. São poucas as produções de terror que mostram as consequências de sobreviver a algo verdadeiramente horrível e inexplicável; Flanagan coloca essa temática no centro e a complexifica mostrando cinco maneiras completamente diferentes que o trauma abalou cada um dos filhos da família a partir de personificá-los como fases do luto.

Conhecemos a vida do filho mais velho, Steven, no primeiro episódio. Ele representa a negação. Ele vende livros sobrenaturais e ganha dinheiro em cima da história da família sem acreditar em absolutamente nada que coloca no papel. Isso o afasta do resto da família.

O segundo episódio é protagonizado pela segunda filha, Shirley, que representa a raiva. O contato com a mortalidade a encantou e dessensibilizou logo quando criança; ela ganha a vida como uma funerária e é a que mais despreza seu irmão escritor.

No terceiro episódio conhecemos mais a filha do meio, Theo, que representa a barganha. Ela é psicóloga e ajuda seus pacientes a passarem pelas mais terríveis situações, mas não sabe lidar com a sua própria, bloqueando toda conexão emocional antes mesmo dela acontecer.

O quarto episódio apresenta Luke, um dos gêmeos mais novos. Luke é a depressão e está em um estado miserável devido à dependência química. Por vezes, dorme nas ruas. Engana a família para conseguir comprar drogas, vai e volta da reabilitação, tudo para não ficar sóbrio.

No quinto episódio, conhecemos Nellie, por fim, a segunda gêmea. Representando aceitação, o episódio de Nellie mostra como foi sua vida depois do trauma e amarra, para o espectador, algumas questões que os primeiros quatro episódios levantaram sobre o que aconteceu na Residência Hill, afinal.

Todos os cinco viveram o mesmo trauma juntos e nenhum lidou com ele da mesma forma. O espectador entende cada um dos personagens no tempo que deve. Eles são todos verossímeis e a história de cada um é cuidadosamente tecida para que, no final do quinto episódio, você saiba quem são essas pessoas, para, aí sim, descobrir qual foi o evento que as uniu nesse trauma compartilhado. Assim, além de uma série absurdamente efetiva em seu terror, ela é um comentário sobre como o trauma não define uma pessoa, não é uma predeterminação, nem um destino. Um evento traumático pode mudar seu curso, mas nunca de maneira inflexível. Uma pessoa nunca será o seu trauma – ela sempre será maior.

A série entrega pedaços do quebra cabeça durante esses primeiros cinco episódios, só chegando ao sexto que começa a montá-lo. Os últimos cinco episódios não têm a mesma dinâmica de protagonismo: se antes os filhos estavam cada um em um canto, agora estão forçados a conviverem em família de novo e o espectador vem junto. Na segunda metade da série tiramos sentido, aos poucos, de tudo que vimos na primeira.

A série não subestima o espectador. Une terror e drama de uma maneira fantástica, sutil e sublime, e permite que você caminhe pela história com a delicadeza e paciência que uma história sobre luto e trauma merece. O espectador está ativamente capturado pelo modo de contar, o que também contribui para a execução perfeita do melhor plot twist de todos os tempos na minha humilde opinião.

A Maldição da Mansão Bly

O sucesso de Residência Hill foi merecidamente estrondoso (e merecia até mais). Quando os fãs souberam que Flanagan faria uma segunda série, a expectativa estava nas alturas que ele colocou para si mesmo com a anterior. E essa foi a sua morte. Mansão Bly busca repetir um modelo que não foi feito para servir de fórmula, e, inevitavelmente, falha em fazê-lo.

Mansão Bly começa com uma situação também sinistra e não sabemos nada sobre nenhum dos personagens. Uma mulher é contratada para tomar conta de duas crianças órfãs em uma mansão gigantesca, onde há mais três empregados. Há uma enorme empolgação para descobrir o background de cada personagem e da casa, juntar as peças, entender porque tal coisa aconteceu, porque tal pessoa age daquele jeito… E a quantidade de escolhas puramente estéticas, no final das contas, é decepcionante.

Mansão Bly, sim, subestima o espectador. Os backstories são dados todos de uma vez, sem suspense, sem provocação. Não temos a chance de fazermos conexões por nós mesmos. Não dá nem para dizer que existe alguma “revelação” na série, porque tudo é revelado de uma só vez, sem nenhuma dica, nenhum jogo.

O trauma da personagem principal, Dani, é completamente desconexo e irrelevante para o final da série e acabou servindo simplesmente como uma história para justificar que ela via um espírito. Estético, puramente estético, como a maior parte das outras justificativas da série.

Em outras palavras, na analogia do quebra cabeça, a série começa com várias peças na mesa. Você vai montando meio confuso e no penúltimo episódio eles jogam um quebra cabeça pronto na sua frente, e fingem que o resto encaixou por ali. E você se dá por satisfeito porque o casal principal é muito fofo – e é mesmo, a única escolha acertadíssima da série na minha opinião, 10/10.

Missa da Meia Noite

Eu estava morrendo de medo de assistir Missa da Meia Noite e ser ruim e eu me ver embarcando em uma jornada parecida com o declínio do Ryan Murphy com American Horror Story (Ryan, por favor, para nada, nunca, será o que a primeira temporada foi; já se passaram dez anos! Por favor, chega!). Afinal, por mais que eu não tenha gostado de Mansão Bly, a série também fez um sucesso inegável.

Mas, meu Deus (risos), ainda bem que eu assisti.

Flanagan parece ter admitido que a marca registrada da sua produção não é o mistério, e, sim, a revelação. Ele não tenta, hora nenhuma, repetir nada do que fez nas suas duas outras séries (a não ser pela pessoa sendo assombrada pelo mesmo fantasma sempre, mas isso é um clichê gostoso demais). Missa da Meia Noite é novo ao mesmo tempo que é antigo. Flanagan retomou seu talento gigantesco como contador de histórias, mais até do que como criador e entregou uma série lenta, que revela seus segredos de forma rítmica, sem esconder excessivamente por efeito de choque, nem mostrar demais de bandeja.

Missa da Meia Noite é uma história sobre uma ilha com 127 habitantes, extremamente pacata e muito marcada pela religião. Quando um novo padre chega à cidade, uma turbulência começa a acontecer e a ilha é engolida por essa situação, ora lentamente – pelas cenas longas, diálogos marcados, escolhas que reforçam o tédio do lugar – , ora rapidamente – por virar uma situação sem volta na frente dos nossos olhos.

Essa última parte talvez seja a mais importante. Tudo acontece na frente dos nossos olhos. Depois de um certo ponto, o final é inevitável. Você sabe o que vai acontecer e o diretor não foge disso. Ele não tenta surpreender de maneira forçada, ele simplesmente faz um trabalho maravilhoso revelando o que está oculto. Por isso digo que é uma história antiga – o enredo em si poderia estar em qualquer filme de terror. Mas não está porque é contada de maneira fenomenal.

Residência Hill e Missa da Meia Noite também compartilham algo que Mansão Bly deixa de lado, que é a temática relevante. No caso de Missa da Meia Noite, a série toda pode ser vista como uma grande metáfora para a relação dos extremistas religiosos – especificamente os católicos – com a sociedade e com os que não seguem a mesma religião. A relação de poder, de superioridade, de domínio, de permissividade, e, sobretudo, a hipocrisia da Igreja é explorada de forma efetiva tanto no terror quanto na crítica.

Em suma, vejo Mansão Bly como a mais fraca das três séries por ela ser a menos efetiva no terror e a mais preguiçosa no roteiro. Vejo a essência de Flanagan nas outras duas obras, mesmo que bastante distintas uma da outra, e, essas, sim, me deixam ansiosa para ver qual será sua próxima produção.