O curta “Dois Estranhos” foi o vencedor da categoria Melhor Curta-Metragem em Live Action na edição de 2021 dos Oscars. O filme mostra um dia de um homem negro que é baleado por um policial branco e, ao invés de morrer, acorda novamente no mesmo dia, revivendo esse horror. A mensagem é forte e o recurso de repetição é muito significativo, mas os diretores Travon Free e Martin Desmond Roe não parecem ter sido os criadores da ideia. Quem originou o que hoje tem um Oscar foi a diretora Cynthia Kao, há 5 anos.
Cynthia Kao escreveu e dirigiu um curta chamado “Dia da Marmota Para um Homem Negro” em 2016, que conta exatamente a mesma história do curta do Netflix. O filme tem três milhões de visualizações no YouTube e recebeu atenção após o assassinato de George Floyd no ano passado, que acendeu muitas discussões e protestos.
Com essa movimentação, em maio de 2020, a empresa NowThis entrou em contato com Kao. As redes sociais da NowThis são enormes e conhecidas por publicarem trabalhos com temas sociais como o da diretora, com os devidos créditos, aumentando o público a ser impactado. Animada com a oportunidade, Kao permitiu o compartilhamento e tudo parecia ter dado certo.
Até que em abril de 2021, a Netflix lançou “Dois Estranhos”. E a teoria esperançosa de que poderia ser uma infeliz coincidência de duas pessoas terem tido a mesma boa ideia é arruindada logo nos primeiros frames do curta, em que eles anunciam que ele foi feito em associação com a NowThis.
A diretora contou essa história em um TikTok e recebeu reações bem diferentes. De um lado, pessoas se revoltaram junto a ela, afirmando que a situação era absurda e incentivando que ela tomasse ações legais contra NowThis. De outro lado, pessoas diziam que o absurdo era ela ter escrito e dirigido o curta original sozinha, sem pessoas negras na criação, e a história merecia ser contada pela comunidade negra como foi feita com o curta do Netflix – mais do que ela merecia os créditos.
Que lado está correto? Não sou ninguém para dizer. Com certeza, inclusive, muito da história não está revelada ao público, não cabendo em 60 segundos de um TikTok. Como o curta de Kao estava disponível apenas no YouTube, ela não estava cobrando para contar uma história que não pertence a ela, nem lucrando muito com isso – sabemos que o YouTube não paga lá muito bem, a não ser para criadores de dimensões massivas. Acredito que a melhor solução teria sido convidá-la para reimaginar sua criação, dessa vez de forma mais ética, ao lado de pessoas cuja história pertence. Independentemente dos erros iniciais dela e das melhorias quanto a isso no curta, o filme ainda é plágio – ou aparenta ser, de acordo com o que está disponível.
Veja os dois, não veja nenhum ou escolha o lado em que você vê mais razão. O ponto central, na verdade, não tem a ver com lados, e, sim, com a maneira com que a academia lidou com isso. A possibilidade da falta de pesquisa básica que a academia realizou para premiar “Dois Estranhos”, especialmente depois do vencedor do filme do ano de 2018, “A Forma da Água”, também ser acusado de plágio na época, é estranha. Ou pior: da possibilidade de eles terem consciência do plágio e isso não ser um ponto de eliminação do curta. Se plágio não é suficiente para não premiar um, infelizmente, ótimo filme, o que é? Os critérios de nominação e premiação da academia, a cada ano, ficam mais turvos.
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