Personagens construídos  pelo machismo

A conversa sobre o machismo estruturado em nossa sociedade parece cada vez mais prevalecente. Mesmo assim, ainda temos um longo caminho pela frente para, de fato, alcançarmos uma realidade justa.

São frequentes as vezes em que escuto partes machistas afirmarem que o feminismo busca rebaixar a existência do masculino, o que, de fato, é uma afirmação errônea que contribui para efeitos drásticos, visto que o machismo interfere negativamente na construção de caráter de muitos homens.

O sistema patriarcal se consolida profundamente na trajetória de meninos a homens influenciando diretamente na construção de maridos/chefes/cidadãos violentos, opressores e  tóxicos.Apesar dessa cultura fornecer aos homens o ideal de que eles possam tratar as mulheres como merda e demandarem submissão das mesmas, esse “empoderamento” é o mais clássico exemplo de “catfishing”. Ao reprimir o sexo oposto, parece que o masculino adquire muito mais liberdade, mas, na realidade, cada vez que um homem parece ser o cara fodão sem sentimentos, mais e mais seu verdadeiro espírito é reprimido e todas as emoções que sente como um ser humano natural são apagadas e direcionadas para atitudes perigosas.

O que acontece com esse apagamento? Ele se acumula e se transforma em um ciclo vicioso. Assim, cada vez que um homem percebe a necessidade de se portar como forte e insensível, mais ele destrata as mulheres ao seu redor. 

São muitas as vezes em que me questionei em relação ao ódio (explícito ou implícito) que todos homens sentem pelas mulheres ( em graus absurdamente variáveis)  vem na realidade de um lugar de inveja… Obviamente se analisada por alguma inteligência artificial (oi, chat GPT) minha contemplação seria irracional, ao literalmente fazer uma ponderação da história da humanidade,  visto que as mulheres são reprimidas e injustiçadas de forma física E emocional. Entretanto, de uma forma mais holística, é facilmente imaginável que os homens, por já terem posse de inúmeros direitos, sintam inveja do único poder que as mulheres têm: a vulnerabilidade.

A ideia de que o feminismo pode rebaixar os homens é de uma base ignorante, no mínimo, visto que o movimento de equidade de gênero traz melhorias para a sociedade em geral e busca mais estabilidade emocional  para o homem também.

Se um dia conseguirmos alcançar o feminismo, poderíamos ter populações emocionalmente livres e com direitos sobre suas próprias existências, sem a consolidação de poder sob nenhum gênero, e, sim, um respeito mútuo.

Ao pregar que o homem precisa ter uma posição de superioridade e uma conduta assertiva, a sociedade transforma esse ser humano em um monstro que acredita que errar não é uma opção, o que invoca uma insegurança tremenda que é demonstrada a partir de atitudes antiéticas (isso não significa que tais atitudes sejam justificáveis ou que os agentes devam ser imunes a consequências, mas, sim, que poderiam ser evitadas com uma mudança na forma em que a sociedade se comporta e fala com os gêneros).

Quando entendemos que os predadores são criados a partir de dores, podemos começar a pensar em como evitar a criação desses inimigos.

A cinematografia evidentemente retrata inúmeros personagens consolidados pelo machismo, dentre eles um dos clássicos é o melhor amigo mulherengo de toda sitcom clássica.

Barney Stinson tem esse papel em How I met your Mother, com atitudes maliciosas e uma série de mentiras caóticas e sem vergonha, o integrante do squad conseguiu se consolidar como o cafajeste do Mcgee ‘s ou talvez até de toda Manhattan.

O mais curioso em relação a personagens como Barney Stinson é a capacidade dos roteiristas de explicitamente divulgarem piadas vulgares e objetificantes através de um personagem que mesmo assim tem inúmeros fãs do público feminino.

O desconforto que a sua presença traz aos espectadores é sincronizado com atitudes honráveis, cada vez que ele quase chega a ultrapassar qualquer limite, ele  consegue a empatia do espectador de volta,  por exemplo quando o amigo salva a relação de Lily e Marshall ao viajar até San Francisco. 

O sincronismo de ofensa e admiração é preocupante, mas é inegável que também seja uma estratégia  genial:  os episódios são construídos de tal forma que cada vez que os limites chegam perto de se estenderem, o plot muda e Barney faz algo genuinamente bom – claro que se esse texto fosse construído com a intenção de realmente debater sobre o machismo, eu poderia apontar que as atitudes genuinamente boas de Barney são exclusivas para as pessoas que importam a ele, o que já não é tão genuíno assim, entretanto,  para provar meu ponto, não vou aprofundar tanto nesse grande detalhe.

As atitudes admiráveis dele não são exclusivas à ficção, elas mostram o real homem antes de ter tido sua ideia de masculinidade ameaçada.

No caso de Barney, esse plot foi exibido no episódio 15 da primeira temporada –  Ted, Robin, Lily e Marshall descobrem oque tornou o amigo em um homem tão sem vergonha e moralidade. A “emasculação” de Barney se deu a partir da desilusão amorosa que teve com Shannon, a então grande alma gêmea dele.

Shannon traiu Barney que, ao se deparar com a infidelidade, naturalmente  se sentiu humilhado e magoado, entretanto, ao invés de reagir dessa forma, ele decide construir um novo caráter que serve como um escudo para qualquer tipo de emoção semelhante.

O novo Mr. Stinson é praticamente o mascote do machismo: poderoso, assertivo, insensível, temido e objetificador.

Na história, o personagem ainda afirma que se prometeu a nunca mais ser submetido a qualquer tipo de humilhação como aquela, ou seja: humilhação causada pelo sexo inferior.

Com certeza, ao longo das temporadas percebemos mais evidentemente, o lado sensível de Barney, entretanto, esse lado é exclusivo para as mulheres que ele acredita serem merecedoras de sua atenção. É difícil saber ao certo se o escudo algum dia poderia parar de ser uma arma, visto que no mundo estamos longe dessa realidade

Viajando para outro universo, temos o grande competidor de Barney, Chuck Bass, talvez o real macho de Manhattan. Também é vítima da desilusão feminina, mas, nesse caso, o  problema é mais ligado a mommy issues.

Mesmo se tratando de um viés completamente alternativo, tudo volta ao mesmo problema: o machismo estrutural. A mãe de Chuck aparentemente o abandonou, o pai não é emocionalmente disponível ao filho. A atitude repressora do pai de Chuck é completamente justificada pela sociedade, visto que quem tem o dever de cuidar e amar é a mãe e não o poderoso Bart, mesmo que ela não esteja presente.

Essa falta de apoio emocional contribui para a formação do caráter de um jovem absurdamente conturbado.

 O caso de Chuck não é fantasioso e, sim, serve de espelho da nossa realidade:  basta abrir os olhos no cotidiano.

O que precisa ser entendido com urgência  é que mantendo a prática de aceitar as idéias e as atitudes machistas, todos os lados são cada vez mais destruídos.

Se não banirmos como sociedade a violência de gênero, estaremos contribuindo para ela; mesmo discordando com o machismo, é preciso que tenhamos atitude e não só teorias.