Recentemente visitei as exposições da 34a Bienal de Artes de São Paulo e, além de todas as obras incríveis e chocantes, tive uma experiência que sinto que mudou a minha visão logo na entrada.
A primeira obra do evento é interativa: os participantes colocam headphones bluetooth e a voz no fone vai dando instruções e reflexões no espaço vazio do prédio. Apenas quem estava com o fone recebia as instruções, então devíamos cumprí-las no meio de outras pessoas que não estavam participando, muito menos entendendo a situação. Quando começamos, o grupo de fone possuía apenas 5 pessoas, adultos para ser mais exata. As instruções nesse momento eram coisas como “formem duplas e caminhem pelo área delimitada, se reúnam em grupo e caminhem, sentem-se no chão e olhem uns para os outros”. Mas em algum momento um grupo de crianças, de aproximadamente 11 anos, em uma excursão do colégio se juntou a nós.
As crianças já chegaram correndo, rindo, se divertindo. Quando a voz nos mandava caminhar, elas corriam. Quando formávamos duplas, elas formavam rodas. Apostavam corrida, olhavam pela janela e riam. Riam, riam e riam. A experiência com elas já estava muito mais divertida; fomos de 5 adultos sérios e tímidos para realmente apreciar a felicidade das crianças à nossa frente. Isso já teria sido suficiente, mas a melhor hora veio ao final.
Mais para o fim da obra, a voz deu duas ordens que fizeram os cinco adultos congelarem: ela cantou o refrão de “segura o tchan” (note aqui que a voz era muito similar à voz do google tradutor) e depois ordenou que ficássemos de quatro e engatinhássemos como gatos. Nem preciso dizer que nenhum dos adultos dançou é o tchan, nem engatinhou pelo prédio, mas as crianças foram incríveis. Elas se reuniram na coreografia perfeita do refrão, dançando e rindo como se não houvesse mais ninguém ao seu redor. O mesmo ocorreu na hora do gato: nenhum de nós se moveu para abaixar no chão e engatinhar, mas o grupo delas miou, correu e imitou gatos perfeitamente. Não conseguíamos parar de rir com elas.
Junto com a idade vem a responsabilidade e o medo. O medo de não ser aceito e não se encaixar. Em uma era de câmeras, posts e vídeos, qualquer passo em falso pode virar meme; sinto que as crianças que cresceram com as câmeras no rosto sabem mais disso do que ninguém. Muito do que fiz quando estava no ensino fundamental, só tive coragem de fazer por não estar sendo filmada; aquilo não foi eternizado. Mas eu sou de uma geração em que a adolescência inteira foi gravada. O primeiro beijo, uma nota baixa, uma queda na escada da escola, tudo isso viralizava em segundos. Assistir àquelas crianças vivendo como se ninguém estivesse assistindo, sendo que cresceram com tudo registrado, mostra uma despreocupação invejável.
Quando deixamos isso para trás? Quando paramos de dançar em público e passamos a ser aquelas pessoas que assistem e se divertem com a felicidade dos outros, e não mais a nossa?