Lançada em 31 de março, a série 13 Reasons Why, da Netflix, traz o bullying em sua face mais atual. Tanto que o engajamento foi praticamente instantâneo, pouco tempo após a estréia o público lançou a campanha #NaoSejaUmDosPorques inspirada na série. Respondendo à iniciativa do público, a Netflix lançou uma série com 5 relatos de bullying mostrando os mais diferentes recortes da realidade.
A hashtag traduz o incômodo generalizado que temos com a questão do suicídio e do bullying. Essa terrível realidade existe há muito tempo, entretanto tem se tornado cada vez mais latente na era das telas. Isso porquê, hoje em dia, a internet e as redes sociais estão muito associadas à construção de imagens que não estão relacionadas com os objetos que representam. Não apenas no sentido literal de “imagens”, mas da “realidade virtual” como um todo.
Calma, eu vou explicar. Dentro das redes sociais, os perfis que criamos não correspondem àquilo que somos ou sentimos. As fotos que postamos sorrindo em jantares em família, são postadas porque estamos jantando em família, não necessariamente porque representam a felicidade deste momento em família. Muito pelo contrário, muitas vezes usamos da internet para tentar preencher significados para coisas que não sentimos no momento em que publicamos. Ou seja, podemos estar amuados e passando por crises pesadas durante o jantar em família, mas nessa foto que é publicada, parecemos radiantes. Não só isso, passamos a nos sentir radiantes com as reações que as pessoas expressam diante dessa publicação que não corresponde ao real.
Isso também acontece quando compartilhamos chamadas de jornais sem ler as notícias. As chamadas acabam esgotando o que queremos dizer a nossos seguidores.
Muitas vezes, não há um significado intrínseco naquilo que repercute nos meios virtuais, pois não há mais essa necessidade. Claramente, há nuances dessa articulação que vemos no meio online. Há informações genuínas nesses meios, e você pode estar realmente feliz em uma foto que posta. A questão é que essa é a primeira vez em que há a possibilidade de moldarmos nossa realidade com tanta facilidade. Quando meus pais eram jovens, por exemplo, eles conheciam pessoas nas baladas e trocavam seus números. Se gostassem um do outro, poderiam conversar, eventualmente. Mas hoje quando conhecemos alguém, é possível pegar o “Face” dessa pessoa e conhecê-la através da rede social. Sendo que, na verdade você não tem um contato com essa pessoa.
Agora vamos abstrair: antigamente o bullying acontecia no plano da realidade e estava diretamente ligado à sua maneira de existir no mundo. Como pode ser ilustrado pela campanha lançada hoje. Os relatos de Thaynara, Jaqueline, Bruno, Catharina e Vaneza, mostram a dor diante do fato de outras pessoas não aceitarem que você exista da forma que você é.
Como pontua Vaneza Oliveira, hoje protagonista da série 3% “se eu tivesse ouvido vocês, eu ainda ia achar que era normal fazer piadas de macaco”.
Assim, por mais que estejamos tratando de um mesmo obstáculo, que é o bullying, hoje em dia ele se dá uma forma muito diferente. Afinal, se antes as pessoas encontravam motivos para azucrinar umas as outras, hoje em dia há também os não motivos. Como acontece com “revenge porn” e “slut shamming”, as meninas sofrem por terem sua sexualidade exposta fora do contexto em que se vive. O que é imensamente cruel, e acontece com Hannah na série.
Nesse ponto é possível relacionarmos a série com essa perspectiva mais analítica: manejar a expectativa da realidade online com aquilo que ocorre no real se tornou uma grande angústia. Afinal se tornou muito mais complexo distinguir o que é uma simulação da realidade e o que realmente representa a vida. E esse é o cerne da série, por conta disso Hannah deixa fitas contando os porquês de sua decisão – não se pode editar o que está gravado. Diferente do resto dos elementos com que nos relacionamos no meio online.
Isso aponta cada vez para mais para o perigo eminente dessa substituição da vida real pela virtual. Pois nesse segundo meio tudo – ou quase tudo – pode ser simulado e “photoshopado”.
Texto de Gabriela Delbosque
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