Quem não quer viralizar na internet? Seja com a última coreografia do TikTok, um tweet com o timing humorístico perfeito ou um vídeo digno de charge da Laerte, “hitar” nas redes se tornou uma conquista almejada desde pelo seu inócuo vizinho com um celular e tempo de sobra até as maiores e mais renomadas marcas.

A busca incessante por visualizações e compartilhamentos é resultado direto de uma tentativa de se destacar dentro de uma cultura de consumo desenfreado de conteúdo que, ao mesmo tempo, está se tornando cada vez mais instantâneo. A ascensão do TikTok nos últimos anos expôs a força dos vídeos rápidos e home-made, e o algoritmo que possibilita uma viralização mais orgânica que de outras plataformas caminha junto com o crescimento estável de interesse pelo assunto.

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Um estudo de 2019 mostrou que o grande aumento da quantidade de informação disponível causou um encurtamento progressivo do ciclo de produção-consumo de conteúdo. Isso significa que as tendências e tópicos de discussões se esgotam com velocidade cada vez maior, enquanto novos conteúdos os substituem. Para referência, em 2013 um assunto se mantinha em Trending Topic global por volta de 17 horas, enquanto em 2016 esse número já caia para 11.

Ou seja: todo mundo quer viralizar, mas quanto mais gente viraliza, menos significado o feito tem. É um ciclo vicioso onde se manter relevante é cada vez mais difícil, porém cada vez mais necessário.

Com um volume crescente de trends, assuntos, challenges e memes que se esvaem e são repostos em questões de dias, é impossível não se questionar que tipo de conteúdo realmente está impactando as pessoas. Você ainda sabe a coreografia que viralizou há dois meses atrás? Ainda escuta a música que hitou ou ela está esquecida em uma playlist qualquer? Aquele meme ainda te faz rir ou foi fruto de um surto coletivo?

Você lembra o nome dos personagens daquela série que amou tanto que assistiu em uma sentada? Você lembra exatamente o porquê lhes amou tanto, afinal? 

Veja bem, isso não é um manifesto contra o entretenimento. Nem tudo que consumimos precisa ser Alta Arte Erudita Agregadora De Conhecimentos E Virtudes Que Elevam A Alma. Pode ver o TikTok do gatinho fazendo coisa engraçadinha sem culpa.

Mas quando pensamos a partir da perspectiva de uma marca ou produtora de conteúdo, é importante reavaliar se viralizar por viralizar é o efeito desejado, se a tática é realmente só surfar a onda. Porque diferente do indivíduo, o objetivo delas não é o auto entretenimento, é ser lembrada pelo público.

lembrança é justamente o que revela como quebrar esse ciclo. Alguém conseguiu colocar a cabeça pra fora da água e parar para respirar num momento no qual estamos mais focados nos 15 segundos em cima da prancha do que se vamos nos afogar depois. Pois é, a gente já queimou a largada lá no título, mas o que WandaVision fez de tão diferente?

Não é novidade que a Era dos Streamings revolucionou a forma como consumimos conteúdo atualmente. Um exemplo é o “Binge watching”, nome atribuído à popular prática de “maratona”, que não mais envolve percorrer a histórica distância entre a Batalha de Maratona e a cidade de Atenas ou, tampouco, percorrer os 42 km da maratona olímpica moderna, mas, sim, assistir a todos os episódios de uma série de streaming no menor tempo possível.

Indo contra todas as tendências, séries com capítulos sendo publicados semanalmente (como o recente fenômeno WandaVision) voltaram a aparecer e ganharam grande força.

Um artigo publicado no site Psychology Today em março de 2021 oferece duas explicações: a primeira se baseia na afirmação de que “parar para pensar sobre o que você viu e comentar sobre isso com outras pessoas faz muito bem para a memória”; a segunda é fundamentada na ideia na qual mais informação é retida pelo cérebro se for absorvida e processada entre certos períodos de tempo e não toda de uma vez.

Esse estudo comprovou não só que o público lembra melhor a longo prazo de séries assistidas em intervalos semanais em oposto a maratonas, como, também, que os níveis de prazer relacionados com a experiência caiam significativamente a longo prazo em quem havia assistido em uma só sentada. Ou seja: as séries lançadas semanalmente além de terem, no geral, uma retenção melhor, são lembradas com mais qualidade pelos espectadores.

Existe um ditado popular que diz que a voz do povo é a voz de Deus. Longe de nós atribuir um caráter divino a WandaVision ou qualquer outro produto de streaming, mas vale olhar como dados do Google Trends refletem a frequência de citações dos internautas sobre séries de periodicidade semanal e séries com todos os episódios disponíveis de uma vez ao longo do período de um ano.

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Calma!! Não é uma aula sobre relevos geográficos! É só um gráfico do Google Trends…

A primeira e única temporada de Wandavision possui 9 episódios, alternados entre 9 semanas. No gráfico acima, é possível observar como o público interagiu com o termo do seriado no Google, havendo uma busca crescente que culminou no fim da temporada, seguida de um declínio com o esquecimento natural da série. Similarmente, vejamos The Mandalorian, outra série que segue o mesmo modelo:

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Sei que prometi evitar falar sobre geografia… mas não parece o pico Dedo de Deus, que fica no RJ?

Notou a semelhança? Não se trata de mera coincidência. A relação fica mais evidente quando vemos os exemplos de Stranger Things e Sex Education, duas séries que seguem o modelo “binge-watching”:

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É permitido fazer piada de gráficos com o Mundo Invertido?
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Melhor não fazer piada com coisas subindo e descendo agora…

Apesar de altamente aclamadas tanto pela crítica quanto pelo público, ambos, Stranger Things e Sex Education, apresentam um pico super acentuado, mas rapidamente esgotado quando comparado ao gráfico crescente e mais constante e duradouro das séries semanais.

 Considerando tudo isso que já foi mencionado, você provavelmente deve ter percebido como a tendência de consumo das séries de periodicidade semanal favorece a memória e o prazer do público ao consumir o produto. Isso sem considerar estratégias de roteiro que alimentam o suspense e provocam comunidades de fãs a produzirem enciclopédias de teorias sobre a série sendo divulgadas nas redes sociais, o que intensifica ainda mais o envolvimento dos consumidores com o conteúdo.

Como disse Benjamin Franklin: “Conte-me algo e eu esquecerei. Mostre-me algo e talvez eu lembre. Envolva-me e eu entenderei.” No nosso caso, além de entender também é relevante memorizar, gostar e comentar.

Se torna quase irônico considerar que na idade da inovação desenfreada, a resposta para se mostrar relevante foi encontrada justamente em um sistema dado como obsoleto. Mas a realidade é que refletir, discutir e ter a oportunidade de esperar são quase um privilégio social na atualidade. Isso não significa uma ressurreição inesperada da televisão, mas sim uma revitalização do modelo para o contexto atual:

Em meio ao caos cotidiano de conteúdo reciclável, a marca ou criador que apresenta em quantidade regrada permite que se consuma sem engasgar no excesso e dá vontade de pedir mais.

Por Manoela Paschoali Turra e Matheus Rodrigues de Almeida

Texto originalmente produzido para a eletiva Content Strategy: Estratégia de Criação de Conteúdo, ministrada pelo Prof. Rodrigo Maceira, em 2021.2.

Amigão da vizinhança, torcedor do Bahia e mestre pokémon nas horas vagas