Não é a primeira, segunda, sequer terceira vez que estou escrevendo sobre filmes de terror. A esse ponto, qualquer um que acompanha o blog me reconhece como uma entusiasta do gênero, principalmente depois da pandemia; já comentei sobre slashers de Halloween, a banalização do mal e até a evolução das “final girls”. Quando o assunto é horror, há sempre o que falar. Ainda mais agora, num momento em que nossos arredores parecem mais aterrorizantes que nunca e a popularidade dessa categoria vem crescendo exponencialmente por ser… reconfortante. 

Sim, filmes de terror, cheios de sangue, assombrações e assassinos com motosserras são reconfortantes. É tão bizarro quanto parece e faz mais sentido do que você imagina. 

Um estudo publicado no Journal of Media Psychology descobriu que as pessoas assistem a filmes de terror por três razões principais: tensão, relevância e surrealismo. Para alguns, assistir a filmes de terror pode ser uma experiência inteira devido ao mistério e ao choque. Outros são atraídos pelo gênero devido à “relevância”, encontrando elementos no filme com os quais podem se identificar. Quem gosta de terror pelo seu “surrealismo” gosta porque sabe que é tudo falso de qualquer maneira. Para eles, é puro entretenimento e diversão.

“As pessoas têm diferentes percepções enquanto assistem a filmes de terror”, conta Dra. Katherine Brownlowe, professora assistente nos departamentos de neurologia e psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Ohio. “Tem quem goste do sangue coagulado, de serem assustadas ou até mesmo do puro escapismo que isso oferece.”

Curiosamente, quanto mais emoções negativas uma pessoa diz que experimenta durante um longa de horror, mais provável que ela diga que gosta do gênero. Uma teoria é que isso ocorre porque algumas pessoas, especialmente as que buscam experiências intensas, encontram prazer nas sensações de alívio que procedem aos sustos.

Além disso, psicólogos evolucionistas dizem que os filmes de terror exploram nossos medos primitivos, como o medo de contaminação, de sermos devorados e até da própria morte, o que explica a popularidade dos filmes de zumbis e carnívoros gigantes. O gênero fornece, essencialmente, uma maneira segura de ensaiarmos mentalmente como enfrentaríamos esses perigos, sem que corramos nenhum risco verdadeiro. 

Por isso, muitas pessoas com ansiedade encontram conforto emocional nos filmes de terror. Eles desafiam nossas crenças sobre o risco. De certa forma, podendo ‘reconfigurar o termostato’ do público, de modo que as coisas que pareciam intimidadoras possam ser mais fáceis de lidar no futuro. Por exemplo, algumas pessoas podem descobrir que, depois de maratonar os filmes do Ari Aster e a coleção inteira de Sexta-Feira 13, não é tão assustador pedir um aumento ao chefe, preparar-se para fazer um discurso em público ou (principalmente nos dias de hoje) encarar o noticiário e colocar os pés para fora de casa finalmente. 

Agora, mais do que nunca, é difícil desviar o olhar do sombrio e do medonho. Está em todos os cantos e todas as telas, e o mundo tem usado do gênero mais visceral do cinema para lidar com a ansiedade, depressão e até mesmo os traumas que vieram juntos da pandemia e do isolamento social. 

“A curiosidade mórbida é uma motivação interna para aprender sobre situações ameaçadoras em seu ambiente, de forma que você possa evitar essas situações no futuro”, conta Colton Scrivner, aluno de doutorado no Departamento de Desenvolvimento Humano na Universidade de Chicago. “Atualmente, uma dessas situações é o COVID-19.”

Quando a pandemia chamou a atenção global, a sensação de desgraça iminente era inevitável. Mas, ao mesmo tempo, o longa Contágio (2011), de Steven Soderbergh, se tornou um dos filmes mais assistidos no mundo. 

Scrivner ainda descobriu que pessoas interessadas em filmes como Contágio e Outbreak relataram níveis mais baixos de ansiedade após o início da pandemia. “Nós testamos algo chamado de hipótese de simulação do calvário com fãs de terror”, explicou ele. “Essa é a ideia de que, como eles simularam coisas assim antes, eles estão um pouco mais preparados ou mais capazes de lidar com a coisa real.”

Caso você, como eu, sinta falta das salas de cinema e tenha medo delas não durarem muito mais por conta da crise, saiba que toda essa busca incessante pelo horror cinematográfico traz boas notícias. 

Afinal, esses filmes não só são consideravelmente mais baratos de se produzir como a experiência que os longas de horror proporcionam nas telonas é extremamente particular quando comparada a qualquer outro gênero, ainda mais se contrastada aos streamings. Assistir comédias românticas na sala de casa pode dar muito certo, mas imagine tentar ver Um Lugar Silencioso enquanto seu irmão mais novo joga videogames e sua mãe grita da cozinha para que você organize a mesa do jantar? Até mesmo uma notificação indesejada no whatsapp pode te distrair do que seria o maior plot twist do filme. 

Amamos assistir filmes de terror nos cinemas pelos mesmos motivos que conseguimos encontrar conforto neles em momentos difíceis: por mais grotescas e assustadoras que sejam as cenas, enfrentamos intensamente nossos piores medos completamente imersos nas histórias. Sabendo que, no fim, rolarão os créditos, acenderão as luzes e estaremos seguros para lidar com o que quer que tenhamos como pendente na nossa rotina. 

Construindo minha odisseia com palavras que encontro por aí