Orson Welles (1915-1985) talvez seja o mais icônico diretor da história de Hollywood; ainda que seu nome tenha ficado manchado na indústria, logo após o lançamento de sua primeira obra, “Cidadão Kane” (1941), o jovem cineasta acabou por se tornar uma figura mística dentro do cinema e recebeu uma das mais importantes missões da história da sétima arte. Foi o diretor cinematográfico da Política de Boa Vizinhança, viajando por toda a América Latina, até desembarcar em terras brasileiras, fato praticamente velado na história nacional.
A ideia geral desta produção, em específico, era retratar o carnaval carioca e exibí-lo nas telas dos Estados Unidos, entretanto, o diretor decidiu ir contra todas as diretrizes racistas e segregacionistas da época vigente, tanto no Brasil, quanto nos EUA, mostrando a verdadeira face da terra das palmeiras. Com destaque para as pessoas negras e a sua influência na cultura musical, além da própria realidade brasileira, mostrando os morros do Rio de Janeiro e a miscigenação do país.
O diretor se tornou próximo de Grande Otelo, que o levou para as favelas e mostrou o estilo de vida brasileiro, a cerveja gelada, as rodas de samba e até mesmo os terreiros. As fotografias de seu período no Brasil mostram Welles vestindo apenas branco; há quem diga que o motivo vai muito além do calor da antiga capital do país, mas também por conta das influências religiosas.
Dado o contexto político de ambos os países, nenhuma das autoridades ficou satisfeita com os primeiros materiais, e muito menos com o comportamento de Orson. Essa insatisfação, agregada com saída do coordenador original da Política de Boa Vizinhança e a troca de direção interna dentro da produtora do filme, a finada R.K.O., fez com que o filme fosse cancelado e orçamento gigante retirado do alcance de Welles, mas isso não o impediu de retratar uma das histórias mais importantes da história brasileira no último século: A Viagem dos Jangadeiros.
A belíssima e trágica história dos jangadeiros que saíram do Ceará rumo ao Rio de Janeiro merece uma revisita por si só, como tentaram Firmino Holanda e Petrus Cariry em “A Jangada de Welles” (2019), porém, mesmo com um título que promete dissecar a relação do diretor com a história, o mito de Orson Welles é ainda mais destacado, deixando de ser uma figura mítica apenas nos EUA, para também entrar no imaginário brasileiro. Com a sua dose típica de polêmica e obscurantismo não só sobre a sua figura, mas, neste caso, sobre o seu próprio trabalho, dado a tragédia que acabou por acometer a reta final das gravações e que até hoje deixam mistérios no ar.
A lenda de Orson pelo Brasil ficou escondida em lugares perdidos e poucos foram aqueles que tentaram resgatar essa história, vide Rogério Sganzerla e Amir Labaki, que, por seus próprios meios, tentaram jogar luz sobre esse episódio velado da história nacional. Mas, apesar de seus esforços, são incapazes de espalhar essa jornada para o Brasil sozinhos, porém, realizaram um importantíssimo trabalho de questionar as razões desta história estar tão escondida e o próprio filme tão inacessível ao público. Essa deveria ser uma preocupação de todos os cineastas e cidadãos brasileiros que desejam ver e ouvir esse segredo do cinema mundial que ocorreu em nossas terras.