Sob o signo da polêmica e disposta a provocar a percepção de seus visitantes a 31ª. Edição da Bienal de São Paulo abre suas portas no dia 06 de setembro, comprovando a sua aptidão em expandir os territórios da arte, compartilhando ideias e ampliando repertórios. Não é a toa que o próprio título do evento “Como falar de coisas que não existem”, propõe uma espécie de reticências no lugar do primeiro verbo da instigante frase, convocando-convidando seu espectador a complementar as ações dos artistas participantes, assim podemos ter “Como perceber coisas que não existem”, “Como representar coisas que não existem”, “Como imaginar coisas que não existem”, e assim por diante… originando uma espécie de jogo com o apreciador das obras expostas no belo prédio criado por Oscar Niemeyer no Parque do Ibirapuera.
Percebemos que a própria crise da representação parece preocupar os seus curadores ao alertarem que esta bienal não é voltada para os objetos de arte, mas se apóia na relação da arte e seu espectador como uma relação interpessoal que seja um veículo de transformação social: as obras que compõem a mostra não fazem tanto sentido individualmente, sua importância está na capacidade de estabelecer conexões ou nas transformações que estas obras articulam em seu conjunto.
Semioticamente, o cartaz criado pelo artista indiano Prabhakar Pachpute indicia signos simbólicos como a espiral e a figura orgânica de um suposto ser humano; percebe-se uma analogia com a Torre de Babel (o famoso quadro de Pieter Brugel – 1563) como que carregada por um estranho conglomerado de corpos humanos. O aspecto fantástico, para não dizer surreal, da figura lembra um organismo composto por muitas pernas cujo movimento aponta para a necessidade de união para andar em uma mesma e talvez incerta direção: não se sabe quem, caminha para onde, em busca do quê. Arte que sugere perguntas e não fornece respostas.
As obras de Prabhakar Pachpute tratam das vidas dos mineiros de carvão (seus trabalhos quase sempre são desenhos feitos com este material) e de suas lutas cotidianas, procurando transmitir o trauma e o impacto psicológico de se trabalhar nas entranhas da terra. Outra preocupação representada na obra do artista é a situação das comunidades agrícolas que, cada vez mais, tem suas terras adquiridas para mineração e indústria, sendo que os agricultores que nela viviam encontram-se sem outras opções de subsistência. Diante desta descrição, fica fácil compreender o porquê de seus “personagens” estarem sem cabeça… sem identidade. Para esta Bienal Pachpute promete o mesmo impacto visual de suas antigas criações.
Durante todo o processo de organização e montagem do evento, foram divulgados teasers como uma espécie de chamada poética que também aponta para a potência da arte no centro do projeto. O verbo utilizado no título (falar) foi trocado, para indiciar as diversas ações que precisam ser desenvolvidas para que as coisas que não existem venham tornar-se presentes. Se nesse primeiro momento o cartaz e a proposta do evento referem-se a “falar de”, nas versões dos teasers tiveram como destaque “farejar”, “ver”, “atravessar”, “procurar” e “refletir” coisas que não existem. Novas provocações: mas não é esta a verdadeira função da Arte?
João Carlos Gonçalves (Joca)
Doutor em Linguagem e Educação pela USP; Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor de Fundamentos da Comunicação e Semiótica Aplicada na ESPM.
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