​Em meados de 1974, Francis Ford Coppola teve uma das piores idéias de todos os tempos; gravar um filme sobre a guerra do Vietnã no Vietnã. Seus amigos George Lucas e Steven Spielberg disseram que Coppola havia enlouquecido, que não havia sentido em mover toda a equipe de uma produção multimilionária para a Ásia em meio a uma das guerras mais violentas e sangrentas da história. ​

​ Coppola havia acabado de terminar “O Poderoso Chefão: Parte 2” e tinha alcançado tanto prestígio entre produtores, críticos e públicos que ganhou uma carta branca para seu próximo projeto. Qualquer história e desafio já contava com a aprovação dos executivos para desenvolver seu próximo projeto. Esse projeto era uma adaptação de “Coração das Trevas” para a Guerra do Vietnã, esse livro já havia tido várias tentativas de adaptação para o cinema, todas resultando em um fracasso. De maneira resumida, o romance conta a história de um marinheiro contratado para subir o Rio do Congo em busca de Kurtz, um comerciante branco que se tornou um Deus entre os nativos da região, tudo isso durante o período colonial do Congo Belga, um dos períodos mais violentos da história colonizadora. O diretor decidiu adaptar esse romance

​ Cientes da ideia maluca de Francis, os produtores apresentaram diversos locais que pudessem replicar a atmosfera do Vietnã na Austrália, América do Sul e Índia. Coppola recusou todas essas ideias, pois  segundo ele só seria possível captar a atmosfera desta guerra dentro dela, até que depois de muita negociação houve um acordo que envolveu até mesmo o presidente do país e o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, para que a gravação corresse nas Filipinas, país vizinho ao cenário de guerra.

​Apesar das Filipinas não estarem em guerra, o cenário econômico e político não favoreciam em nada a produção de país, o clima de instabilidade da guerra vizinha afetaram todos os países vizinhos. Coppola tinha orçado o filme em cerca de 12 milhões de dólares, e apesar da produtora ter captado apenas 8 milhões de dólares de investidores, decidiu bancar o resto da produção do próprio bolso para realizar o projeto de 17 semanas de gravação.

Com o orçamento definido e a autorização para se começar o desenvolvimento do filme, Coppola recorreu a grandes nomes da indústria para a equipe técnica e de atuação, equipes essas que custavam grandes quantidades de dinheiro. O roteiro tinha Steven McQueen, Al Pacino e Jack Nicholson que foram contatados para o papel protagonista, todos recusaram as ofertas pelas dificuldades de produção que enfrentavam do outro lado do mundo em um cenário de instabilidade e insegurança. Martin Sheen, que já havia feitos grandes trabalhos e impressionado Coppola nas audições de “O Poderoso Chefão” foi escolhido para vivenciar Williard, um veterano da Equipe de Operações Especiais que é encarregado de encontrar um antigo Coronel de seu unidade dentro das raízes do Vietnã., entretanto, Martin estaria indisponível para o intervalo de gravação e Harvey Keitel foi o finalista para o papel.

​Apesar de estar sem opções, Coppola enfureceu-se ao ver Keitel atuando, brigando com o ator em pleno set, pegou o primeiro avião para Los Angeles e moveu o céu e a terra para convencer Sheen e os produtores do projeto que ele estava envolvido a fim de liberá-lo para o papel de Willard. Sua força como diretor e alguns milhares de dólares convenceram todas as partes e Martin Sheen topou passar uma temporada nas Filipinas.

​ Coppola acreditava que o papel de Kurtz precisava ser interpretado por alguém com uma “aura” própria, capaz de trazer toda a onipotência do personagem para a película. Esse “alguém” foi Marlon Brando, que estava em destaque na mídia justamente pela parceria com Coppola anos antes em “O Poderoso Chefão”. O ator pediu cerca de 3.5 milhões de dólares para atuar por cerca de 8 semanas (menos da metade do período de filmagens), praticamente um blefe, porém, Coppola topou pagar a quantia exorbitante e , para completar, Marlon chegou no set acima do peso e com dificuldades de adaptação ao local. E esses não foram o únicos problemas de casting e roteirização da produção, o diretor colocava novos personagens na história e os retirava com a mesma facilidade, atores como Dennis Hopper e Harrison Ford foram parar de uma hora para a outra na produção

​ A megalomania de Coppola começou a prejudicar a produção do filme, a ausência de efeitos especiais e sua substituição por explosivos e equipamentos reais fez com que centenas de milhares de dólares foram destinados exclusivamente a pólvora, aluguel de helicópteros, proteção para a equipe e até suborno para membros das forças armadas para utilizar ainda mais explosivos e ajuda do exército e força aérea. 

​Como se todo o caos instaurado até então não fosse suficiente, um tufão atingiu alguns dos sets de filmagem e impossibilitou a gravação no local, tanto pelo local arrasado, quanto pelos equipamentos destruídos. Coppola havia irritado até mesmo as forças da natureza.

​Neste ponto, Coppola estava a beira da loucura, sua esposa dizia que mal o reconheceu no pouco tempo que o via e o comportamento do diretor passou a ser cada vez mais explosivo e megalomaníaco. Todos os problemas nas Filipinas fizeram com que os produtores mudassem o filme do país asiático para o Havaí, e em questão de dias a direção de arte e fotografia tiveram que emular o Vietnã nas praias do estado estadunidense, aldeias foram montadas, planos descartados e centenas de turistas atrapalhavam as filmagens.

​ Depois de tudo isso, o filme de 12 milhões de dólares havia se tornado um projeto de mais de 30 milhões que nem estava completo, com equipe ferida, desistências em meio aos períodos de gravação e um diretor insano. O filme estava há mais de um ano em fase de produção e Coppola não cansava de inventar uma nova cena, um novo personagem ou de trocar completamente o rumo da história. Em determinado momento circulavam rumores de que o filme tinha mais de 5 finais prontos, mas ainda faltava o resto do filme. Era um projeto com começo e final, mas sem o meio.

​O resto do filme foi gravado no Havaí, com muito menos problemas do que nas Filipinas, Coppola encontrou uma solução para todos os problemas, mesmo custando milhares de dólares e dezenas de horas a mais. E agora restava apenas um problema: a montagem.

​Apesar de a composição da trilha ter sido feita pelo pai do diretor, ainda foi necessário a participação de uma orquestra filarmônica e de um coral, a produção de efeitos sonoros reais de explosão, tiros, helicópteros. Tudo isso ainda foi barato se comparado ao sistema revolucionário de som criado com esse filme, o sistema surround teve sua estréia com o filme e precisou de adaptações tanto na obra quanto nas salas de cinema, e Coppola aperfeiçoou cada detalhe do som, cada gatilho puxado tinha sua localização exata, tudo isso em uma época que as coisas eram analógicas e não tinham a facilidade dos softwares de edição de hoje.

​ Com cada centavo do orçamento gasto, sua casa hipotecada e um casamento a beira do fim, Francis terminou seu filme com muito menos amigos do que começou e a beira da insanidade. 

​O filme acabou indo para os cinemas em 1979, fez mais de 100 milhões de dólares na bilheteria e levou um Oscar para casa (merecia muito mais) e se tornou um dos principais filmes de todos os tempos, tanto tecnicamente quanto pela sua narrativa que beira o misticismo, trazendo temas sensíveis para a sociedade estadunidense como a violência gratuita de seus soldados contra os vietnamitas, o uso de drogas nas forças armadas, guerra sem motivo realizada do outro lado do planeta e as centenas de milhares de vidas perdidas. Coppola abriu mão de tudo para terminar sua obra, mas enfim ela havia sido finalizada, pelo menos era o que se achava.

​Mais de 20 anos depois do lançamento original do filme, Francis decidiu retornar à ilha de edição para remontar seu filme, “Apocalypse Now Redux” foi duramente criticado pelos especialistas e pelo público. Os pontos levantados foram de que essa versão era pior do que a versão de 1979 e que a inclusão de cenas desnecessárias acabou piorando a experiência do filme.

​ Em 2019, quando o filme já era considerado uma das principais obras cinematográficas da história, resguardado como um marco do cinema e da cultura estadunidense, foi lançado “Apocalypse Now: Final Cut”, que trazia cenas inéditas totalmente remasterizada, com cenas inéditas que passaram longe da versão original, a relação entre Williard e Kurtz foi aprofundada, os sons e trilha sonora foram totalmente adaptados as novas tecnologias de exibição e o filme finalmente recebeu sua versão definitiva se tornando talvez o melhor filme da história, tanto por sua narrativa quanto pelos desafios de produção que desafiam os limites do ser humano e suas produções cinematográficas até hoje. 

​ Talvez toda essa jornada de quase 40 anos com um único filme não seja o motivo da insanidade de Coppola, mas ajuda a explicá-la. O documentário “Heart of Darkness: A Filmmaker ‘s Apocalypse” de 1991, retrata todo o processo de produção do filme e sua repercussão, com entrevistas da  equipe, elenco e o próprio diretor. Revelando os desafios enfrentados durante as gravações, os gastos excessivos e os problemas com a saúde mental de vários membros das filmagens. 

​ O legado que o filme deixa é nada menos do que “perfeição”, e mostrou ao mundo o que um homem insano com uma câmera e muito dinheiro é capaz de fazer. Hoje “Apocalypse Now” é uma obra concluída, mas por muito tempo foi uma obsessão de Coppola, que recentemente decidiu dirigir um novo filme para 2024. Antes de finalizar este texto, gostaria de agradecer a todos os membros da equipe e aqueles que apoiaram o filme de qualquer forma, pois eles também são os responsáveis diretos por essa obra e que raramente tem seu nome citado nas discussões sobre o filme; à vocês, meu mais sincero obrigado!