Um dos grandes dramas na cultura geek é a falta de tempo para assistir series. Existem muitas produções bacanas e pouco tempo sobrando. Ou pelo menos assim pensamos. Geralmente estamos falando daquele tempo objetivado, cronológico e quantitativo: o tempo chronos. “Precisaria de mais 10 horas para acabar a série.“ Porém, gostaria de complexificar um pouco mais essa sensação de falta de tempo.

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Santo Agostinho, em uma de suas principais obras, discute o tempo de forma um pouco diferente. O filósofo afirmou que o tempo não pode ser devidamente quantificado (no sentido estrito da palavra). Como estamos inseridos na própria temporalidade, não poderíamos compreendê-la totalmente. Somente alguém fora dela, algo eterno, seria capaz disso. Apenas dividimos o tempo em 3 partes – passado, presente e futuro. Porém, vivemos apenas o presente, pois o futuro ainda não aconteceu e o passado já não existe mais. Passado e futuro são apenas abstrações teóricas. Seria como conhecer a aparência externa de uma caverna sem nunca ter saído dela (entendeu a referência platônica?). Apenas reconstruímos o passado como forma de memória e o futuro como forma de esperança. O passado e o futuro, portanto, existem apenas enquanto produção intelectual do presente.

A reflexão é longa e complexa. Mas o que Agostinho traz de inédito é a ideia do tempo como uma interioridade psíquica, uma forma de intuição. O tempo de cada um é diferente do tempo do mundo. Sabe aquela matéria chata que não acaba nunca? Ou aquela temporada de Breaking Bad que passou voando? Por mais que sejam cronologicamente idênticas, são diferentes para a temporalidade individual. Ou seja, o tempo é intrínseco à nossa subjetividade. Meus 2 anos de mestrado, por exemplo, foram mais longos que meus 4 anos de graduação. O tempo de 1 minuto do micro-ondas depende da minha fome. E assim por diante.

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Quando jogamos MMOs, gênero extremamente nerd, passamos o dia inteiro para upar 3 níveis. A sensação de realização é bem mais espaçada. Se jogássemos Candy Crush por 1 dia inteiro, passaríamos 100 níveis. A sensação de realização seria outra. Com certeza, são 2 experiências de tempo totalmente diferentes, apesar da semelhança cronológica.

Nesse sentido, existe um conflito entre o tempo individual e o tempo do mundo. O desejo em assistir mais um capítulo conflitando com o horário do despertador. Não funcionamos dentro do tempo cronológico. Nosso corpo  sim, mas nossa mente ou nossa alma, não. Além disso, com as possibilidades tecnológicas, nossa percepção sobre o tempo também muda. Aliás, mudou tanto que quando assistimos um filme de ação de 40 anos atrás, parece mais “parado” do que qualquer filme iraniano atual. Ou ao contrário: imagine nossos bisavôs tentando entender uma batalha de Kingdom Hearts.

kingdom hearts

Em conclusão, talvez a ciência moderna tenha aumentado nosso tempo de vida, mas apenas cronologicamente. Porque o tempo é individual e relativo com o que se faz. E quantas coisas queremos fazer atualmente? Esse é o tempo da subjetividade na sociedade do consumo. A categoria “na fila” do meu Netflix só aumenta, enquanto minha percepção sobre o tempo, assim como meu sono, só diminui.

 

Publicitário nerd metido a psicólogo de cachorro. Mestre em Comunicação pela ESPM e em Epic Fail pela vida.