A narrativa de uma história pode ser contada de diversas formas; dependendo do roteirista, é possível escrever diversos textos diferentes. Do diretor, podemos receber visões diferentes e, na montagem de um filme, nem se fala: são tantas as possibilidades, incontáveis combinações. Com isso, chego ao meu ponto, é viável contar uma história a partir da sua trilha sonora? Adianto que sim, mas vamos discutir isso.

Pensaremos em nossas memórias reais: por exemplo, numa viagem inesquecível, geralmente lembramos de alguma música. No meu caso, me recordo de vezes que estava indo com meus pais para algum lugar; no nosso carro só tocava Legião Urbana, era a única opção já que não existia Bluetooth e nem sinal de rádio em diversos momentos.

Inconscientemente, temos música nas nossas vidas, por coincidência ou não, elas influenciam muito nossos sentimentos atuais. Se você ainda não concorda comigo, vou te mostrar um exemplo real. Estou falando de Aftersun (2022), dirigido e escrito por Charlotte Wells.

A história de um pai e uma filha que vão para um hotel precário passar suas férias. Acompanhamos a narrativa a partir da visão de Sophie, nossa protagonista, e ao decorrer do longa, nos é apresentado a vida de Calum, jovem pai da menina, que muitas vezes é confundido com o irmão dela. Apesar do roteiro, cansativo e lento, vemos nas entrelinhas o real propósito de toda tensão: como a depressão e o suicídio afetam a vida adulta da garota.

O mais impressionante é que o trabalho brilhante da diretora mostra que não precisamos ter tudo em tela para entendermos; assim deixamos que as músicas façam isso. Em certos momentos, entendemos que o homem passa por momentos difíceis: cenas impactantes dele sofrendo sozinho na cama ou sua solidão no meio da praia de madrugada são provas disso. Mas como a garota se posicionou a respeito disso? No meio do filme, ela canta pra ele a música Losing My Religion do R.E.M; no contexto dela, a trilha diz que ela está tentando chegar até ele, ela está tentando manter seus olhos nele, como alguém machucada, perdida e uma idiota cega. Mas não consegue.

No fim do filme, nós sabemos o que vai acontecer com o pai da menina, só não queremos aceitar isso; é nítida a pressão sobre o homem. E como Charlotte decide contar o final da sua produção? Under Pressure, do Queen. O clima muda totalmente, ao ver Sophie e Calum dançarem e ao fundo só ouvimos. “This is our last dance”.

Sim, achamos o culpado de todas as lágrimas; pegue essa cena, coloque no mudo e tente ter a mesma sensação. Te afirmo: é impossível. Então, além de um bom roteiro, produção, direção, é necessária uma ótima trilha para acompanhar e, nada mais justo do que antes de acabar, recomendar tanto a playlist quanto o filme para vocês. Aliás, façam isso com esse texto também, são visões totalmente diferentes.