De quarta para quinta-feira passadas, dois assuntos tomaram as mídias sociais: a prisão inédita de um senador e o hashtag #meuamigosecreto.
Pela quantidade de alunas da ESPM que se posicionaram com o hashtag, acho que não podemos deixar de dar voz e pensar sobre esta experiência de ativismo nas redes.
A primeira reação é de desconcerto e empatia. Tanto a quantidade de posts quanto a linguagem descritiva, que realmente remete a situações acontecidas e específicas. Das formas recentes de se falar sobre violência, achei esta uma das mais inteligentes. As pessoas assinam suas falas- diferente do vale tudo irresponsável do secret- e são sutis a ponto de tangenciarem a possibilidade de reconhecer alguns dos personagens. Como se tratava de alunos próximos, um ou outro amigos secretos eu identifiquei.
O movimento trata da violência disfarçada em amizade, informalidade, ambiguidade. Isto se dá por ela estar incorporada. Uma amiga chamou isto de “machismo gentil”. Tornar isto evidente, por si só, já legitima e torna precioso o movimento.
A segunda reação é a percepção do valor atual do ativismo em rede. Cada uma das pessoas que postou provavelmente só o fez por se sentir amparada pela força coletiva. Individualmente, um depoimento desta natureza pode gerar constrangimento e nova violência. Uma ex-aluna, por exemplo, fez um post relatando ter sido recriminada no trabalho por ter contratado uma estagiária feia; poucas horas depois ela escreveu se desculpando por ter tido que retirar o post, por seu emprego estar em risco.
Isto tudo é muito presente, relevante e informa sobre como nosso individualismo moderno está se transformando no século 21 em novas formas de experiência política. O indivíduo soberano na cultura ocidental há 500 anos tem perdido espaço para experiências coletivas e compartilhadas.
A terceira reação foi, para mim, reativa: Ôpa, a generalização também tem uma dimensão perigosa. Quando a coisa se transforma numa onda ela também ganha uma dimensão violenta e intolerante. Algumas pessoas apontaram um exagero e foram pesadamente execradas. Faltou-lhes o timing e a empatia.
Ondas pedem adesão irrefletida, estabelecem segregações e se perde a motivação legítima inicial: ganho de consciência, empatia, fim das segregações.
Entende-se a demanda legítima e reprimida que finalmente achou uma forma de desaguar, mas se lamenta que a força com que isto se dá reproduza a violência que se tratava de denunciar.
Quarta reação? Reflexão: será que eu próprio exerço ou exerci esta violência por ter os mesmos valores incorporados? Vi alguns posts de homens se colocando esta questão, a sério. Será que não se está reduzindo a questão a uma divisão entre homens e mulheres, quando ela é sobre violência e discriminação? Vi alguns poucos posts em que havia referência a uma amigo secreto mulher, que também impõe valores machistas. Estes posts são preciosos justamente por restabelecer o foco da luta.
E pensei em amigos secretos que não reconhecerão meu direito de manifestação a respeito pelo fato de eu ser homem. Meu amigo secreto não é um gênero, mas o exercício de força onde haja desigualdade de condições.
Pedro de Santi
Psicanalista, doutor em psicologia clínica e mestre em filosofia. Professor e Líder da área de Comunicação e Artes da ESPM.