Os memes aterrissaram aqui no final de abril, quando a ESPM recebeu o senhor Gordon Leyland Torr, diretor de criação mundial da J.W. Thompson para as contas De Beers (diamantes) e UDV (Smirnoff, JB e Baileys). Uma palestra cujo tema versava sobre planetas. Na realidade, os mundos da propaganda mundial. O mundo norte-americano, o inglês e o mundo resto do mundo. A abordagem bem-humorada tratou do uso de valores universais, aproveitados em comunicação global. Até aí nada de novo. Mas um termo chamava a atenção da platéia. O último tópico a ser abordado era um tal de “meme”. What does mean memes? Em alto e bom inglês trocadilhava um aluno a meu lado. Seria uma sigla? Um personagem? Tudo isso ou nada disso? A palestra prosseguia com a apresentação de vários comerciais que representavam os humores de cada um dos planetas de Gordon Torr. E, finalmente, chegaram os memes. Todos então descobriram que memes são personagens, slogans, canções, títulos, trocadilhos, idéias etc. E põe etcetera nisso. Um assunto tratado seriamente pelos publicitários londrinos. Afinal, é isso que eles fazem, e nós fazemos o tempo todo: buscar idéias que se fixarão na mente de nosso público-alvo. De preferência, com a lembrança de marca junto. Este é o uso mundano que damos; porém a teoria dos memes é muito maior do que simplesmente descobrir um novo personagem como o Pikachu e ganhar milhões de dólares. Sim, os pokémons são dignos representantes de memes.

Meme. A origem da espécie.

O meme adquiriu status de ciência da nova era: a Memética, ciência auto-intitulada técnico-empírica que estuda os memes. Na Internet, os memes possuíam, em junho de 2000, cerca de 8.800 ocorrências de sites. Porém, o termo meme nasceu em 1976 pelas mãos de um zoólogo que sacudiu a Biologia com sua tese revolucionária. Foram na realidade duas bombas, uma imediata e outra de efeito retardado.

A imediata. Grosso modo, todos os seres vivos, inclusive nós, somos apenas veículos, máquinas orgânicas de transporte para genes que competem pela sobrevivência e perpetuação. Seu livro “O gene egoísta” causou a ira de muitos, mas serviu como base para outros estudos e novas visões sobre a evolução.  A chave do processo está na capacidade do gene replicar. Ou seja, reproduzir-se perfeitamente. Só para lembrar, genes são unidades hereditárias contidas nos cromossomos, seqüências de ADN, que irão determinar características do indivíduo. Atenção para um detalhe que o próprio Dawkins coloca em evidência. Genes não pensam, nem tomam decisões. O uso de uma emoção humana – o egoísmo – pareceu-lhe adequado para expor sua tese. Além, é claro, de chamar a atenção da comunidade científica.

Vale a pena dar uma olhada no livro, principalmente pelo seu último capítulo “Memes: os novos replicadores”. Esta foi a bomba de efeito retardado.
Segundo Dawkins somos uma espécie única. E o que nos torna tão incomuns é a cultura e sua transmissão. Aqui começam as analogias. Transmissão genética e transmissão cultural são semelhantes.

Como vimos, a evolução genética tem sua chave no princípio replicador dos genes. O gene, a molécula de ADN, é a entidade replicadora mais comum na Terra. Era.
Para comprovar, devemos fazer o seguinte raciocínio. O que evolui na cultura? Certamente a soma de sua produção: Idéias, conceitos, informações, a própria língua. Aqui, Dawkins metaforiza um caldo de cultura de genes para o caldo da cultura humana. Ou, o mesmo que um fundo de genes transmitidos de geração para geração. O correlato do gene seria esse o quê. Faltava, no entanto, um nome para essa unidade de transmissão cultural, ou de imitação. Vindo de mimene, cuja raiz grega tem tudo a ver com o sentido de imitação, somado com algo que pudesse se assemelhar foneticamente a gene, assim surgiu o meme: a nova entidade replicadora.

Agora podemos entender por que um pokémon é um meme. Porque “Tá na hora de dormir, não espere mamãe mandar. Um bom sono pra você e um alegre despertar”, ainda continua tocando em seu cérebro e no de pessoas que não tinham nem nascido quando o jingle saiu do ar. E, “Se é Bayer….” é bom como meme também. A religião, qualquer uma, é um complexo de memes, todos unidos para um bem comum de sobrevivência. Note que é a sobrevivência dos memes e não a nossa.

O meme egoísta.

Sim. Eles competem entre si. O objetivo é espaço e tempo em nossas mentes. Espaço não é problema, nosso cérebro tem uma capacidade ociosa imensa. São 100 trilhões de ligações neurais prontas para uso. Porém, o tempo é um fator limitante. Nossa atenção é constantemente disputada por memes enquanto estamos vivos. Ao morrer, nossos genes sobreviverão por até 3 gerações, porém os memes podem se perpetuar. Como exemplo, sua atenção não foi cobrada por um professor que insistia em passar o meme da atração gravitacional dos corpos? O meme que Newton lançou centenas de anos atrás continua vivo. Pelo que sabemos, a lei da gravidade ainda não foi revogada por nenhum outro meme rival. Na realidade, este é um dos memes centrais do memeplex da Física.

Susan Blackmore, psicóloga e mimeticista, proclama: “Somos produto de nossos memes, assim como
somos também produto de nossos genes”. Por extensão, concluímos que o mesmo se dá com toda a nossa atividade tecnológica. Indo além, Susan afirma em seu último livro: “A competição memética desenhou nossa cultura, assim como a seleção natural desenhou nossos corpos”.

Tanto você quanto eu estamos fazendo a evolução da cultura humana o tempo todo. Uma interpretação diferente de um conceito mercadológico passado adiante pode evoluir para um novo conceito. A brincadeira do telefone sem-fio demonstra essa nossa faculdade de acrescentar ou subtrair partes de uma informação. Quem conta um conto, aumenta um ponto.

Se estiver tudo parecendo um pouco com ficção científica, não se preocupe. Na Internet encontraremos centenas de sites e as indicações de contos nos quais o meme é o herói. Esta idéia de pertencermos a um organismo maior, a percepção entre o macro e o micro, está clara em muitos autores de ficção científica.  Vamos ver o que acontecia na época do surgimento do termo meme, citando o grande mestre Isaac Assimov. No início da década de 80, ele finaliza o livro Fundação II de forma surpreendente. Uma nova era para a humanidade está sendo decidida, e o modelo previsto é tornar nossa galáxia um organismo vivo, um cérebro onde os planetas habitados e seus trilhões de habitantes deixam clara a analogia… “A Galáxia parece um ser vivo, rastejando pelo espaço. Você acha que, de alguma maneira, já não está viva?”

Na mesma época, Douglas Adams, co-roteirista do filme “A vida de Brian” do grupo inglês Monty Phyton, escreve a hilariante saga “O mochileiro das Galáxias”. O fato deflagrador do enredo é um supercomputador construído para encontrar a pergunta correta a ser formulada, que definirá o mistério que envolve todas as coisas e seres. Pois esse computador era o planeta Terra e seus habitantes. Outra vez, pessoas se transformam em neurônios. Como hoje, as idéias estavam no ar. Jung chamava isso de sincronicidade.  Freud, nem vamos citar. Mas, aproveitando a deixa, Charles Darwin fecha sua obra máxima com esta previsão enigmática:

No futuro distante eu vejo campos abertos para pesquisas mais importantes. A Psicologia estará baseada em uma nova fundação, através da necessária aquisição de cada poder mental e capacidade de transição gradual. A luz será lançada na origem do homem e de sua história. Será que Darwin previa que o único tipo de evolução que o homem ainda teria pela frente seria a partir da cultura?

Por coincidência, também no final do livro de Dawkins encontramos otimismo em relação ao nosso futuro. A capacidade que temos de previsão consciente será nossa saída. Ao contrário dos genes e memes, que são replicadores cegos e inconscientes. E, portanto, mesmo sendo máquinas mêmicas, nós temos o poder de ir contra a tirania desses replicadores egoístas. Devo acrescentar que isso só se dará a partir da consciência dos memes e de sua infestação.
A memética, o marketing e a comunicação.

O pequeno glossário que está nesta matéria ajudará a entender quantas analogias já foram feitas a partir da tese de Dawkins.  Servirá também para descobrir que publicitários, homens e mulheres de marketing e comunicação são no fundo engenheiros de memética, ou memetizadores. Que os memes são como vírus se propagando pelas mentes, utilizando vetores como a TV, o celular, a Internet e as escolas. Que as crianças são mais suscetíveis à infecção memética. Ou seja, aos Power Rangers da vida. Quer dizer, pokémons.

Talvez possamos buscar mais eficiência na comunicação decifrando o meme. Um verdadeiro projeto Memona Humano. E aí vamos entender por que o filme “Wassup” da Budweiser fisga tão facilmente quem a ele estiver exposto. Ou então os filhotes-humanos da Parmalat, por que marcaram tanto aqui e no mundo todo.

Veja só como Alfredo Marcantonio, um dos grandes redatores publicitários do mundo, trabalha criando memes: Escrevo textos do jeito que minha avó faz sopa de minestrone. Eu jogo todos os ingredientes interessantes que eu posso achar e lentamente os vou cozinhando. No início, você tem uma solução bastante magra, sem sabor, mas se você mexer constantemente deverá terminar com algo bastante significativo.

São tantos os exemplos e tão curto o tempo. Fica então aqui a sugestão para um estudo maior das idéias que replicam na mente dos consumidores. Uma tarefa que pode e deve envolver psicólogos, sociólogos, antropólogos, semióticos, publicitários. Iremos encontrar talvez um novo caminho, ou uma coleção de metáforas, que nos farão entender um pouco mais das variáveis envolvidas no milagre da comunicação humana: nossa grande arma evolutiva. Mas isso é um meme que fica para outra vez.

Pequeno Glossário

Estratégia de Infecção
Qualquer estratégia memética que facilita a infecção de um hospedeiro. Piadas encorajam a infecção por serem humorísticas; melodias por evocarem várias emoções; slogans e trocadilhos, por serem concisos e continuamente repetidos.

Hospedeiro
Uma pessoa que foi infectada com sucesso por um meme. Veja infecção, memebot, memeóide.  

Ideosfera
O reino da evolução memética, assim como a biosfera é o reino da evolução biológica. A saúde de uma ideosfera pode ser medida pela diversidade de sua memética. 

Imunodepressivo
Qualquer coisa que tende a reduzir a imunidade memética pessoal. Imunodepressores comuns são: viagens, desorientação, esgotamento físico e emocional, insegurança, choque emocional, mudança de casa ou cônjuge, choques de cultura, stress de isolamento, situações sociais pouco conhecidas, certas drogas, solidão, alienação, paranóia, exposição repetida, respeito à autoridade, escapismo e hipnose (suspensão de julgamento crítico).

Infecção
1. Codificação de um meme na memória de um ser humano. Uma infecção memética pode ser ativa ou inativa. É inativa se o hospedeiro não se sentir inclinado a transmitir o meme a outras pessoas. Uma infecção ativa causa ao hospedeiro o desejo de infectar outros. Os hospedeiros fanaticamente ativos são freqüentemente memebots ou memeóides. Um hospedeiro pode ser infectado inconscientemente, e até mesmo transmitir um meme sem consciência do fato. São transmitidas muitas normas da sociedade deste modo. 2. Alguns memeticistas usaram infecção como um sinônimo para crença (i.e., só crentes são infectados, os não-crentes não são). Porém, este uso ignora o fato de que as pessoas transmitem freqüentemente memes em que eles não acreditam. Canções, piadas e fantasias são memes que não usam a crença como uma estratégia de infecção.  

Meme 
Um padrão de informação contagioso que se reproduz por parasitismo, infectando as mentes humanas e alterando seu comportamento, enquanto causa a propagação do padrão (termo cunhado por Dawkins, por analogia com ” gene “.) Slogans, trocadilhos, melodias, ícones, invenções e modas são memes típicos. Uma idéia ou padrão de informação não é um meme até que cause a alguém a necessidade de replicá-la, e repeti-la a outra pessoa. Todo conhecimento transmitido é memético. (Veja memeplex).

Memebot
Uma pessoa cuja vida inteira é voltada à propagação de um meme, agindo como um robô em todas as oportunidades (como os acólitos de várias religiões, fãs e partidos políticos). Devido à competição interna, os memebots mais desinibidos e articulados tendem a subir para o topo da hierarquia de seu sociótipo. Um memebot auto-destrutivo é um memeóide.

Memeóide, ou memóide¦lt;br /> Uma pessoa cujo comportamento é influenciado tão fortemente por um meme que sua própria sobrevivência passa a nada significar (como: kamikazes, terroristas xiitas). Os hospedeiros e memebots necessariamente não são memeóides.

Memótipo 
O conteúdo, a informação atual de um meme, correspondente de seu sociótipo.  2. Uma classe de memes semelhantes.

Memeplex
Um ambiente de memes que se auxiliam e que co-evoluíram numa relação simbiôntica. Dogmas religiosos e políticos, movimentos sociais, estilos artísticos, tradições, paradigmas, idiomas etc. são complexos de memes ou memeplex. Um memeplex de sucesso tem certos atributos comuns: grande extensão (um paradigma que explica tudo); oportunidade para os hospedeiros participarem e contribuírem; convicção de sua verdade (leva à autoridade); oferece ordem e um senso de lugar, enquanto ajuda a acabar com o medo da dúvida.

Memética 
O estudo de memes e de seus efeitos sociais.

Memetizador  
Pessoa que conscientemente inventa memes, por meme-entrelaçamento e síntese de meméticos, com a intenção de alterar o comportamento de outros. Escritores, redatores de propaganda, publicitários em geral, são os engenheiros da memética memeticista. 1. Alguém que estuda memética. 2. Engenheiro de memética.

Sociótipo
1. A expressão social de um memótipo, como o corpo de um organismo é sua expressão física (fenótipo) do gene (genótipo). Conseqüentemente, a Igreja protestante é um sociótipo do memótipo da Bíblia. 2. Uma classe de organizações sociais semelhantes.

Autor:

Heraldo Bighetti – Professor de graduação e MBA da ESPM. Gerente da Agência ESPM de São Paulo

Bibliografia:

Fundação II – Asimov, Isaac – Hemus Editora – 1983
O Gene Egoísta – Dawkins, Richard – Itatiaia Editora – 1989
O Mochileiro das Galáxias – Adams, Brian – Editora Brasiliense – 1986
The Copy Book – Vários – RotoVison AS – 1997
The Meme Machine – Blackmore, Susan – Oxford University Press – 1999
The Origin of Especies – Darwin, Charles – Gramercy Books – 1998

Sites:

http:// www.memes.org.uk
http://pespmc1.vub.ac.be/MEMIN.html

Professor Heraldo Bighetti, 29 de agosto às 16:30h.