Literatura

Mário de Andrade: Eterno e visionário

By Colunistas Newronio

June 08, 2015

Vários acontecimentos, sobretudo sócio-culturais, contribuíram para o surgimento do Modernismo brasileiro. Em 1909, Picasso agitava o grupo Cubista e Marinetti publicava o Manifesto Futurista. Em seguida vieram o Expressionismo alemão e o Dadaísmo. A última vanguarda histórica seria o surrealismo, lançado em Paris por André Breton, em 1924. Soma-se a isso, as inovações tecnológicas e o crescimento das cidades em detrimento do campo, para criar um clima de mudança e renovação. Em 1920, na cidade de São Paulo, um poeta escreve aquele que é considerado o primeiro livro de poemas do Modernismo brasileiro, publicado em 1922 durante a Semana de Arte Moderna. O livro: “Paulicéia Desvairada”. O poeta: Mário de Andrade.

Os versos livres, a ausência de métrica e de rima e a ambiguidade poética eram recursos que polemizavam de maneira radical com a poesia parnasiana, linear e clássica. “Paulicéia Desvairada” transformou-se, portanto, na bandeira do movimento modernista. No livro encontra-se o Prefácio Interessantíssimo, um dos mais importantes documentos da poesia modernista, onde o autor expõe sua poética, o “desvairismo”:

“Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem pensar tudo o que meu insconsciente me grita. Penso depois: não só para corrigir, como para justificar o que escrevi.”

“Belo da arte: arbitrário, convencional, transitório – questão de moda. Belo da natureza: imutável, objetivo, natural – tem a eternidade que a natureza tiver.”

“Por muitos anos procurei-me a mim mesmo. Achei. Agora não me digam que ando a procura da originalidade, porque já descobri onde ela estava, pertence-me, é minha.”

Este ano se completa os 70 anos da morte de Mário de Andrade. A data não passará em branco no circuito cultural e literário: além de receber homenagem da Flip 2015 (Festa Literária Internacional de Paraty), as livrarias recebem novidades ao longo deste ano. Dentre os lançamentos, um é especial: o romance “Café”, obra inacabada e que ainda permanece inédita. O livro começou a ser concebido em 1929, quando Mário de Andrade resolveu aproveitar as notas e os esboços do romance “Vento”, que iniciara em 1925, inspirando-se em dois eventos marcantes: uma viagem que fez ao nordeste e a crise do café no final da década. Ao longo dos anos 1930 e 1940, o autor parou, retomou e novamente deixou de trabalhar no romance. Contudo, alguns trechos foram publicados. Dentre eles, a série “Vida de Cantador”, que saiu em 1943 na “Folha da manhã”.

O enredo utiliza como pano de fundo a economia do café e o seu papel na sociedade e acaba por enunciar a crítica do autor em relação à burguesia da época, tema que já estava presente no belo e lírico “Amar, Verbo Intransitivo”. Outros lançamentos que valem ser mencionados: o graphic novel “Macunaíma em SP: O Nascimento de um Brasil”, adaptação de Izabel Aleixo e Kris Zullo para uma das obras mais famosas do autor; o ensaio biográfico “Eu Sou Trezentos”, do escritor Eduardo Jardim, que busca articular a maneira como a vida e a obra de Mário de Andrade se entrelaçaram. Por fim, a Edusp, em parceria com o IEB e com a PUC do Rio de Janeiro, lançará cartas que Andrade trocou com Lasar Segall e com Alceu Amoroso Lima.

Em um tempo em que vemos nas TVs e jornais notícias estarrecedoras em todos os níveis, mas principalmente na política brasileira, ler Mário de Andrade é uma espécie de oração às avessas. Sua obra nunca esteve tão atual e visionária:

“Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma! Oh! purée de batatas morais! Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas! Ódio aos temperamentos regulares! Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia! Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados! Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos, sempiternamente as mesmices convencionais! De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia! Dois a dois! Primeira posição! Marcha! Todos para a Central do meu rancor inebriante!

Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio! Morte ao burguês de giolhos, cheirando religião e que não crê em Deus! Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico! Ódio fundamento, sem perdão!”

João Carlos Gonçalves (Joca)

Doutor em Linguagem e Educação pela USP; Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor de Fundamentos da Comunicação e Semiótica Aplicada na ESPM.