“O artista deve compreender o silêncio.
O artista deve criar um espaço para que o silêncio adentre sua obra.
O silêncio é como uma ilha no meio do oceano turbulento.”
(Marina Abramovic)
Estar diante da obra de Marina Abramovic, uma das artistas mais importantes da segunda metade do século 20 em atividade até hoje, já é uma emoção e tanto. Vê-la e ouvi-la falar apaixonadamente de suas criações e, principalmente, participar de seu Método é adentrar nos mistérios da sua criação artística. Neste texto tento relatar o meu juízo perceptivo da mostra Terra Comunal em cartaz até maio no SESC-Pompéia.
A exposição de seus “Objetos Transitórios para Uso Humano” já causam uma entropia positiva, pois conectam os espectadores com a experiência sugerida nas criações da artista que, fornecendo tais “Objetos” para a reflexão do público, acaba por convidá-lo a penetrar na sua prática criativa que exige concentração e transcendência.
Passear pela “Galeria de Retratos em Vídeo” apresentando 14 obras realizadas entre 1975 e o início dos anos 2000, também nos aproxima do comprometimento de Marina com sua arte que aponta para a fragilidade humana e nossa eterna busca pela leveza e pelo tempo mítico, menos cronológico e mais contemplativo.
Participar do Método Abramovic é uma experiência única: durante 2 horas e meia, somos convidados a nos “desligar” do mundo exterior; celulares e relógios são guardados em armários, com o intuito de não nos distrairmos, mas ocuparmos este tempo para nos conectarmos com nós mesmos, não é por acaso que colocamos fones de ouvido que bloqueiam todo o som ao redor: o silêncio é essencial. Confesso que no início fiquei desconfiado e com a incômoda sensação de estar participando de algo “falso” e banal. Com o passar do tempo, e cumprindo os quatro momentos do Método (Deitado, Sentado, Em Pé e Andando) me vi/me percebi ouvindo minha própria respiração e meus batimentos cardíacos. Conclusão: mergulhei introspectivamente em mim mesmo e, até agora, estou processando esta rica experiência… Marina me aproximou de mim mesmo.
Ainda sob o impacto do Método, resolvi participar do “Encontro com Marina Abramovic”, onde a artista inicialmente fala de seu trabalho e de temas variados relacionados à arte e campos relacionados. Alguns exercícios são sugeridos e, na parte final, o público é incentivado a participar com suas perguntas ou inquietações. Neste encontro presenciei a potencia da energia que emana da artista, sua fala transmite uma sinceridade comovente e sua energia acaba por contaminar a audiência: vi muitas pessoas emocionadas não conterem as lágrimas. A própria presença física da artista impressiona, talvez por representar uma criação que exibe aquilo que chamamos de “forma de eros”, apontando para o artista que busca descobrir a essência e a verdade das coisas, revelando sua paixão e amor pela descoberta do que ainda não é conhecido. Através de seu corpo, a meu ver, Marina acaba sendo uma mediadora que busca ordenar o nosso caos cotidiano, e este é o significado do Eros primitivo: a busca da harmonia.
Os frutos da Experiência: ainda contaminado por tudo que vivi neste processo, convidei os meus alunos do primeiro semestre de Comunicação Social da ESPM a participarem de um experimento, deixando seus celulares sobre uma mesa; o tema tratava do binômio Representação x Percepção. A aula foi muito interessante, pois a grande maioria dos alunos já tinham visitado a exposição e puderam perceber a riqueza do Método Abramovic. Isto mostra como a Arte pode ser uma experiência transcendente, que pode e deve ir além dos museus e espaços expositivos. No meu caso a Experiência Artística foi transformada em uma metodologia ativa, aplicada a conceitos teóricos da Semiótica. Mas isto é uma outra história.
O resto é silêncio.
João Carlos Gonçalves (Joca)
Doutor em Linguagem e Educação pela USP; Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor de Fundamentos da Comunicação e Semiótica Aplicada na ESPM.
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