“Tropeçavas nos astros desastrada
quase não tínhamos livros em casa
e a cidade não tinha livrarias
mas os livros que em nossa vida entraram
são como a radiação de um corpo negro
apontando pra expansão do Universo
porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(e sem dúvida, sobretudo o verso)
é o que pode lançar mundos no mundo”
(Livros – Caetano Veloso)
Jorge Luis Borges já nos ensinou que os livros são extensão da memória e da imaginação humanas e sua função seria recordar o passado. Livro como desaguadouro da realidade: fatos experiências individuais e coletivas perdem sua dimensão fugaz ao ganharem a perenidade da página em branco que irá registrar frases, conceitos, enredos e versos, lançando mundos no mundo.
A ideia de lançar mundos no mundo pode, também, ser relacionada com a imagem do “livro-rizoma” criada por Deleuze e Guattari: “O livro não é a imagem do mundo segundo uma crença enraizada. Ele faz rizoma com o mundo, há evolução a-paralela do livro e do mundo, o livro assegura a desterritorialização do mundo”. O mundo de hoje tornou-se caos, mas o livro permanece sendo a imagem do mundo, como “rizoma” em vez de “raiz”: os livros agenciam o mundo… lançam mundos no mundo.
Toda esta introdução para lamentar o fechamento da Editora CosacNaify, referência no mercado de livros de arte, que desde 1996 nos presenteia com seus mais de 1600 títulos de um catálogo exemplar que incluem escritores como Tostói, Vila-Matas, Lewis Carroll, entre outros clássicos.
Charles Cosac, o dono-mecenas da editora, alega que tomou a decisão de encerrar suas atividades para não desvirtuar sua bela e rigorosa linha editorial, criada a um custo inicial de R$ 70 milhões que nunca viu retorno e só acumulou prejuízo. Tudo isso alinhado à alta do dólar, os altos preços cobrados pelas gráficas nacionais e problemas de distribuição nas livrarias que demoram 90 dias para pagar os editores. Haja Caos.
O fechamento da CosacNaify é mais um desastre para os leitores brasileiros, em um ano especialmente calamitoso, principalmente em termos de educação e cultura: o cancelamento de óperas e espetáculos no Teatro Municipal de São Paulo, a diminuição de arrecadação no SESC-SP, o fechamento da Casa Daros e da Livraria Leonardo da Vinci no Rio de Janeiro, sem deixar de mencionar nossas escolas abandonadas e a educação escamoteada por burocracias políticas.
Lamentavelmente, agora só nos resta correr e aproveitar as promoções no site da CosacNaify que coloca seus títulos com desconto de 20% até o final do estoque.
Para quem está procurando presente para o Natal ou querendo enriquecer sua biblioteca pessoal, enumero abaixo alguns livros da editora, títulos pelos quais tenho um especial carinho, principalmente pelo projeto gráfico moderno e inovador:
1 – “Primeiro Amor” de Samuel Beckett: pelas ilustrações de Celia Euvaldo que traduzem o universo poético do escritor.
2 – “Memória do Brasil” de Evgen Bavcar: pelo lindo diálogo fotografia e projeto gráfico (um livro negro que emana luz).
3 – “A Fera na Selva” de Henry James: a narrativa começa em tons de prata e cinza e vai se transformando em tons de branco. Beleza Pura….
4 – “Bonsai”, “Formas de Voltar para Casa”, “A Vida Privada das Árvores” e “Meus Documentos”: os quatro títulos do escritor chileno Alejandro Zambra, que com suas narrativas poéticas envolvem os leitores em cada página lida.
5 – “A Máquina de Fazer Espanhóis”, “A Desumanização”, “O Apocalípse dos Trabalhadores” e “O Filho de Mil Homens” de Valter Hugo Mãe, premiado escritor angolano.
Que 2016 seja um ano mais animador para a cultura brasileira.
João Carlos Gonçalves (Joca)
Doutor em Linguagem e Educação pela USP; Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor de Fundamentos da Comunicação e Semiótica Aplicada na ESPM.
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