Em 2014, a empresa Google, em parceria com a startup digital Niantic Labs, criou um projeto com base em retóricas lúdicas e linguagens de entretenimento chamado Ingress. O experimento em questão, segundo os produtores, pode ser considerado um ARG (Alternate Reality Game) multiplayer online baseado em plataforma mobile e coloca os jogadores no papel de agentes especiais que devem se organizar em equipes para cumprir determinadas missões no cenário de suas cidades. O gameplay de Ingress consiste em criar portais utilizando o feature de geo-localização de um smartphone em pontos turísticos, monumentos, prédios importantes etc., ligando-os com o objetivo de criar campos triangulares virtuais sobre áreas geográficas.
A ideia do game é que um número cada vez maior de jogadores se una para cumprir as missões do sistema que consistem em ir fisicamente em um ponto geográfico e realizar uma espécie de check-in para marcar um determinado território. Como existem equipes distintas, Ingress opera como uma espécie de jogo de capturar a bandeira do time adversário com a sofisticação de ser mundial e possuir tecnologia mobile e conexão com internet como característica de interface.
Não é incomum encontrarmos este tipo de iniciativa no cenário contemporâneo. Marcas, produtos e serviços estão cada vez mais apostando em estratégias de uso de linguagens lúdicas que – literalmente – colocam os players fora de casa para viverem uma experiência de marca diferenciada. Os ARGs em questão normalmente são ambientados em um mundo imersivo de mistério, aventuras e fantasia que reage a cada movimento, com personagens e empresas que falam com você, mandam mensagens e até mesmo fornecem itens físicos para ajudar em sua busca (SZULBORSKI, 2005). Uma segunda visão sobre o assunto advém de McGonigal (2011, p.120) que define Alternate Reality Game como uma espécie de jogo no qual você vive a experiência, em parte, na sua vida real e não somente em um ambiente virtual.
Os ARGs ficaram mundialmente conhecidos em campanhas como Why So Serious do lançamento do filme Batman: The Dark Knight e I Love Bees para promoção do jogo Halo 2. Em paragens brasileiras temos alguns casos emblemáticos como o Vivo em Ação da operadora Vivo e Teoria das Cordas da MTV. Estes casos nos fazem pensar em como a linguagem dos games, as interfaces lúdicas e as retóricas do entretenimento começam a perpassar nosso cotidiano de uma maneira diferenciada.
Os autores Markus Montola, Jaakko Stenros e Annika Waern (2009) consideram este tipo de produto de entretenimento como “jogos pervasivos”. O adjetivo “pervasivo” possui sua raiz na palavra inglesa pervasive e é utilizado para denotar algo que se espalha, que se infiltra, que é difuso, que penetra. A ideia de pervasidade dos jogos em questão advém do fato que eles podem ser acessados através de múltiplas plataformas e ainda podem levar um usuário para viver uma experiência em lugar físico fora de casa.
Visando entender melhor este termo recorremos às palavras de Médola e Redondo (2009, p. 146) que dizem que pervasidade é um neologismo do termo inglês pervasive computing e refere-se à disseminação de chips e da informática nos mais diversos ambientes e aparelhos. (…) Assim, a pervasividade alude à disseminação e expansão, e carrega a ideia de everywhere display (espalhado por todo o lugar). Dessa forma, a pervasividade na relação conteudística diz respeito às produções que migram de suportes ou que criam subprodutos, ou até mesmo complexificam-se em outras mídias, já que estas não se encontram ainda totalmente convergidas.
Nesse panorama, jogos pervasivos se tornam um instrumento cultural bastante curioso e existem em função de uma intersecção de cenário urbano, tecnologia mobile, comunicação em rede, narrativa ficcional e artes performáticas, sendo que a combinação destes diferentes contextos fornecem aos jogadores novas experiências lúdicas; a família dos jogos pervasivos é ampla e pode ser encontrada em um jogo simples de smartphone até experimentos mais complexos que reúnem jogadores do mundo todo, como é o caso do jogo Ingress ou do ARG Why So Serious (MONTOLA; STENROS; WAERN, 2009, p.7).
Os autores do parágrafo anterior (op.cit, 2009, p.32) utilizam como exemplo algumas ações promocionais publicitárias de caça ao tesouro como exemplo do entretenimento pervasivo. A ação publicitária MINI Getaway, realizada em Estocolmo, é um bom exemplo desta categoria. Os cadastrados deviam baixar um app em seus smartphones e correr pela cidade buscando capturar um carro virtual da marca Mini. A mecânica funcionava como uma brincadeira de pega-pega e o usuário que conseguisse manter o carro virtual em seu poder por um tempo determinado poderia ganhar um carro de verdade. O desafio da brincadeira era correr de verdade pelas ruas da capital sueca fugindo de outros players.
O jogo Vivo em Ação, da operadora de celulares Vivo, em 2007 teve sua quarta edição lançada pela agência F.Biz de São Paulo. Os jogadores, assumindo papéis de detetives, deviam resolver enigmas através de mensagens de texto de celular para deter um colapso da comunicação mundial. Um detalhe interessante da ação se passou em um episódio do jogo no qual o participante devia se infiltrar em uma festa para conseguir novas pistas. Visando incrementar a imersão no jogo foi feita uma festa de verdade em um bar de São Paulo com conteúdo exclusivo para os participantes do game que foram visitar o local.
Os jogos pervasivos, caça ao tesouro promocionais e ARGs materializam uma espécie de camada narrativa lúdica no cotidiano. Alguns exemplos vão mais fundo na criação de um universo ficcional e exploram mais tecnologias para materializar a imersão neste ambiente, outros operam em um nível mais superficial. O importante é entender as diferentes dinâmicas neste cenário e observar como este tipo de linguagem de entretenimento pode ser usada, inclusive, para ações de comunicação e marketing.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
McGONIGAL, Jane. The reality is broken. London: The Penguin Press, 2011
MÉDOLA, Ana Silvia L. D.; REDONDO, Léo Vitor A. Interatividade e pervasividade na produção da ficção televisiva brasileira no mercado digital. Matrizes, Ano 3, nº 1, São Paulo: USP, ago-dez 2009.
MONTOLA, Markus; STENROS, Jaakko; WAERN, Annika. Pervasive Games: Theory and Design. New York: Morgan Kaufmann Publishers, 2009.
SZULBORSKI, Dave. This is not a game: a guide to alternate reality games. USA: New Fiction Publishing, 2005.
REFERÊNCIAS DE GAMES
Ingress. Google/Niantic Labs. Android, iOS, 2014.
Vivo em Ação. Vivo/F.Biz. Celulares Vivo,
Vince Vader
Vicente Martin (@vincevader) é professor de criação digital e supervisor do departamento de criação da ESPM. Estuda, desenvolve e é apaixonado por games.