Em 2017, a Netflix lançou o documentário Jim & Andy: The Great Beyond, que trouxe gravações nunca antes vistas dos bastidores do filme O Mundo de Andy, de Milos Forman estrelado pelo Jim Carrey. Em um primeiro contato você pode se perguntar “Mas o que faz um por trás das câmeras ter conteúdo suficiente para gerar um documentário de uma hora e meia?”, e para isso eu te respondo: senta que lá vem história.

Uma das primeiras coisas que ficamos sabendo como telespectadores do filme é que as gravações feitas no set de O Mundo de Andy, em 1999, foram mantidas em segredo até a produção do documentário; então já dá para entender que o que vem por aí não é das coisas mais fáceis de serem engolidas. O motivo desse sigilo foi que a Universal, produtora da cinebiografia do comediante, “não queria que as pessoas não achassem que eu era um babaca”, como Jim Carrey contou .

O filme de 1999 conta a história do comediante Andy Kaufman, interpretado pelo já mencionado Jim Carrey, desde o começo de sua carreira, suas apresentações fora do comum e sua trajetória profissional até sua infeliz morte, em 1984, causada por um câncer de pulmão (isso não é um spoiler, ele era uma pessoa de verdade que já morreu). Porém não foi nada disso que causou o interesse em tornar o filme um documentário; a obra traz, além de uma visão mas aprofundada da produção de um filme e os métodos de interpretação, uma viagem dentro da psique de um ator que, quase literalmente, se transformou em outra pessoa para seu papel, e uma reflexão sobre nós mesmos e nossas personalidades.

Durante todo o período de gravação do filme, Jim Carrey adotou a personalidade do Andy Kaufman (que, quem já conhece o velho comediante sabe, é polêmica e afrontosa, inconsequente em suas ações) como se fosse a dele. Mas, diferente de outros atores, ele não era Andy apenas durante as cenas, ele era Andy desde que acordava até ir dormir, a ponto de não saber mais diferenciar quem ele mesmo era e quem ele estava interpretando.

Uma das primeiras frases ditas pelo ator para introduzir a história é “Quando recebi o papel, me perguntei o que Andy faria, e, nesse momento, Andy tocou no meu ombro e falou ‘Deixa que eu tomo controle agora, deixa que eu faço o meu filme´. E eu não tive controle do que aconteceu depois.”. A partir daí, Jim perdeu o controle de si mesmo para ele. Logo no começo das gravações vemos um colega de set do ator se referindo a ele como Jim, e ele rapidamente o corta falando “Quem é Jim? O Jim não veio hoje, só tem eu (Andy) aqui”.

Ele não o fez por brincadeira, nem por ser parte de seu trabalho, ele o fez por que realmente sentia que era o Andy na hora. Mesmo nas cenas gravadas em 2017, o ator não se refere a si mesmo no set como a própria pessoa, mas como se fosse outra, utilizando o seu corpo.

Ao longo do filme, ele explica como a experiência de viver como outra pessoa o ajudou a entender a si mesmo e quem ele era, e traz a reflexão de como, na verdade, “se perder no personagem” é algo que fazemos muito ao longo de nossas vidas. Muitas vezes, tomamos a personalidade que não a nossa para agradar a terceiros, para chegar onde queremos chegar, mesmo que acidentalmente, e que, assim como foi insustentável para Jim viver a vida de outra pessoa, é insustentável para nós sermos alguém que não somos. “Quando você se cria para o sucesso, em algum ponto você vai precisar deixar essa criação ir e se aventurar em ser amado ou odiado por quem você é, ou você terá que matar quem você realmente é, e cair no seu túmulo tentando se sustentar em um personagem que você nunca foi.”

No final das gravações, quando Jim foi obrigado a voltar a ser quem ele era, ele voltou às suas infelicidades, aos seus conflitos e sua inseguranças, assim como acontece com qualquer um. No final do dia, você é você, e colocar isso de lado para tentar ser outra pessoa é só adiar o inevitável. Isso não significa que seja algo necessariamente ruim. Ao interpretar outras pessoas, o ator conta que aprendeu muito sobre si mesmo, sobre seus próprios conflitos e dilemas, como se tivesse olhando para si de fora para dentro, assim como qualquer um, ao entender o que não é, aprende um pouco mais sobre o que é.

Muitas vezes eu já ouvi pessoas falando que não gostam da atuação do Jim Carrey, que ele é muito caricato, seus personagens dependem de caretas e são todos o mesmo. Jim & Andy (assim como Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, não podemos esquecer como ele estava impecável nesse filme) é a prova de que esse não é o caso. Sim, ele começou sua carreira como comediante fazendo imitações de famosos, mas ele conquistou devidamente muito mais do que isso por conta de seu talento. Ele coloca um pouco dele mesmo, suas expressões faciais e personalidade divertida, que sempre tenta animar o público, em cada um de seus papéis. Assistindo seu documentário podemos ver como ele se dedica mais do que qualquer um ao seu trabalho. Ele incorpora tanto o personagem que acaba se tornando ele, por isso “são todos o mesmo”. São todos Jim Carrey.

Dona do meu próprio manifesto