Há poucas pessoas mais polarizadoras no mundo do que Kanye West, ou como prefere ser chamado, Ye. Capaz de despertar amor ou ódio nas pessoas, e muitas vezes, os dois ao mesmo tempo; porém, é inegável a influência do artista dentro do cenário da cultura “pop”, especialmente dentro do gênero do Hip-Hop.
Há quem afirme que podemos dividir esse gênero em AY e DY (antes e depois de Ye). Mas, da mesma forma que sua influência é extremamente positiva dentro do cenário musical, ela também é extremamente complicada fora dele, e hoje vamos mergulhar dentro dessa figura polêmica, narcisista, controversa e genial.
Antes de mais nada, é importante destacar que, apesar de ser um grande fã da figura Kanye West, não concordo nem um pouco com suas recentes afirmações, principalmente ao tentar vilanizar pessoas que já foram perseguidas por séculos apenas por suas crenças e origens, mas também não posso deixar de lado que Kanye é um homem com diversos problemas mentais e que, segundo ele mesmo, não tem se medicado; isso é de extrema importância para o equilíbrio psicológico de qualquer pessoa, ainda mais de alguém capaz de influenciar milhões de jovens. Dito isso, também precisamos saber separar a arte do artista e deixar de assumir que o mundo é tão preto no branco quanto tentam dizer por aí.
Kanye Omari West nasceu em Atlanta, em 1977, filho de Ray e Donda West, ambos membros influentes dentro de suas comunidades: seu pai era um militante dos panteras negras muito respeitado na vizinhança por seu trabalho social e luta pela causa negra, já sua mãe era uma dedicada professora, que ajudava a comunidade e lecionava em universidades. Sua mãe foi a figura mais importante de sua vida segundo ele mesmo, não apenas em sua criação e educação, mas também, na influência que ela teve na sua vida artística, servindo como a principal inspiração para Kanye começar sua carreira como músico, e, principalmente, para nunca desistir de seus maiores sonhos.
Devido ao divórcio de seus pais, Kanye e Donda mudaram-se para Chicago, (ou Chi-Town, como prefere dizer em suas músicas), e, posteriormente, para a China por um ano, devido ao trabalho da sua mãe como professora ( que talvez merecesse um outro texto só sobre a importância da educação e como estudar outras culturas muda uma perspectiva de mundo).
Aos 14, Kanye ganhou seu primeiro teclado, utilizando-o para perseguir seu sonho na produção de beats, e, com muito esforço e talento, decidiu focar exclusivamente na música, deixando de lado o basquete e até mesmo alguns amigos. Cobrando 50 dólares por suas produções, artistas mais renomados da área de Chicago viram no jovem uma jóia bruta capaz de elevar suas músicas a outro patamar.
Aos poucos, Kanye foi ganhando influência e repercussão dentro do círculo do Hip-Hop, especialmente por usar samples de Soul e Jazz em suas produções, se tornando uma das principais figuras por trás das principais vozes dos anos 1990 na região.
Esse momento de vida de Kanye é muito bem contado no documentário “Jeen-Yuhs: Uma Trilogia Kanye”, que mostra com imagens inéditas e exclusivas o início do estrelato do artista, deixando sua amada cidade e partindo rumo a Nova Iorque para se tornar aquilo que é hoje, crescendo como músico e se transformando em uma figura muito além da produção.
Nessa mesma época, Kanye conheceu Jay-Z, esse que se tornou quase uma figura familiar dentro de sua vida, sendo seu guia para o início do estrelato, e atuando como o irmão mais velho que nunca teve. Essa relação não ajudou só Kanye, mas também foi a responsável por algumas das melhores músicas do álbum Blueprint, a obra mais reconhecida de Jay-Z.
O jovem de Chicago estava revolucionando a indústria do Hip-Hop, com seus samples de Soul e Jazz e seu talento impecável para criar beats cativantes e originais ao mesmo tempo, mas ainda faltava algo para poder verdadeiramente chamar de seu.
Em outros tempos, o rap era visto ainda mais como uma questão social do que nos dias de hoje, quase que exclusivamente como um meio para divulgar uma mensagem das pessoas segregadas e todas as consequências do racismo estrutural: pobreza, drogas e violência. E, apesar de todos os envolvidos com Kanye reconhecerem seu talento como músico, também sabiam que ele não tinha essa vivência, muito devido à influência de sua mãe em sua vida. Logo, o rap deixava de ser uma possibilidade para ele. Entretanto, seu talento como produtor era tão fora de série, que a gravadora Roc-a-fella assumiu o risco e contratou Kanye, mesmo sabendo da insatisfação do artista com seu atual papel.
Nesse momento de sucesso como uma figura por trás da música, aconteceu o primeiro ponto de virada na vida e na mente de Kanye. Voltando de uma sessão de produção, um carro cruza o farol vermelho e acerta em cheio o Lexus do produtor, colocando a vida da jovem estrela em sério risco; ele precisou de diversas cirurgias para reconstruir partes de seu corpo, inclusive precisando fechar sua boca com fios de aço para que fosse capaz de cicatrizar, momento muito marcante na vida pessoal do músico e relembrado em suas músicas até hoje.
Foi durante sua recuperação que a sua carreira mudou completamente: decidindo assumir um papel ainda mais importante do que apenas produzir as músicas, Kanye também começou a cantar sua própria história, lançando seu primeiro single Through The Wire, enquanto ainda mal conseguia falar devido às cirurgias e aos fios de aço e, finalmente, ganhou o sonhado reconhecimento como cantor, até que em 10 de fevereiro de 2004, lançou o álbum The College Dropout.
Em uma obra extensa para um estreante, Kanye fez músicas como We Don’t Care, All Falls Down, Jesus Walks, Slow Jamz e Family Business, em um álbum conciso e seguindo uma boa narrativa, algo difícil para um primeiro trabalho, característica que o acompanhou para o resto da carreira.
Falando muito mais sobre temas como família e superação do que com o estereótipo do rap da virada do milênio, quando falava, ainda incorporava sua estética e repertório recheado de bons samples capazes de tornarem a experiência mais leve. Devo dizer que essa é uma das melhores obras de Ye. pensar que esse é seu álbum de estreia, onde ele canta e produz, só torna a experiência geral ainda melhor.
Também é importante dizer que Kanye sempre teve em mente realizar uma trilogia de álbuns (na verdade era para ser um tetralogia, mas isso cabe em outro texto apenas sobre suas obras “perdidas”) e, com o sucesso de sua estréia, era natural que recebesse autorização para produzir suas próximas obras. assim nasceu Late Registration em 30 de agosto de 2005.
Uma mistura de fases, relembrando sua trajetória, mas, também, incorporando elementos do sucesso em suas letras, também manteve a sua característica de trazer o Soul e Jazz para dentro do Rap e provou que o sucesso de sua primeira obra não era apenas sorte.
Mantendo o nível em seu segundo álbum segundo a crítica e o público, ainda que exista uma falta de consistência no geral, com poucas músicas capazes de fisgar em uma primeira rodada, mas que crescem conforme o tempo. Destaque para Touch The Sky, Gold Digger e a subestimada Diamonds From Sierra Leone (Bonus) que, na minha opinião, é a melhor música desse conjunto.
De uma cama de hospital para turnês com U2 e Rolling Stones, foi assim que a vida de Kanye mudou após o seus dois primeiros discos, se tornando uma figura consolidada entre o círculo do Hip-Hop e da música em geral, mas, em sua visão, ainda faltava algo: conversar com todos os públicos, e fazê-los se relacionar com ele tanto nas letras quanto nos beats.
Assim nasce a ideia de Graduation, e que o título pode realmente ser realmente interpretado como a formatura de Kanye no mundo da música, passando de uma estrela do Hip-Hop no geral para uma estrela eclética, sampleando além do Soul e Jazz, como Elton John e Daft Punk. O primeiro single do álbum, Can’t Tell Me Nothing, é uma mistura do início do trap com um estilo único presente nesse álbum, e sua recepção permitiu ao artista se aventurar ainda mais na mistura de gêneros e influências para criar um dos álbuns que definem os anos 2000.
O resultado foi uma obra que navega entre todos os mares, capaz de conversar com todos os públicos, e ainda assim, carregar uma mensagem muito mais auto-centrada. É impossível destacar músicas aqui, até porque todas as 14 faixas são fantásticas, mas é impossível deixar Stronger de fora; nela, Kanye usa do sample de Daft Punk para criar um hit que, até hoje faz as pessoas cantarem em qualquer festa, tanto pelo sample em si, quanto por seus versos. Destaque também para Homecoming em uma parceria improvável com Chris Martin, vocalista do Coldplay, em uma carta de amor para Chicago, que encaminha essa obra coesa, consistente e genial para um fim em Big Brother e Good Night.
Essa trilogia deixa claro a ascensão de Kanye, partindo do retrato de seu bairro em We Don’t Care para a saudade dele, até mesmo as dificuldades em lidar com a fama e a pressão excessiva em Everything I Am. Aqui, podemos ver o início do deslumbre e da personalidade narcisista de Kanye, mas, que de qualquer forma, era uma boa influência, inspirando ao invés de destruir, transmitindo através da música um repertório incrível, tanto na música em si, quanto nas mensagens, mas sua inspiração estava prestes a mudar do dia para a noite.