A Liberdade é um dos bairros mais famosos e importantes da cidade de São Paulo, sendo atualmente um ponto turístico muito famoso pela forte presença da comunidade e cultura asiática, predominantemente a japonesa.

Mas a história do bairro é muito mais profunda e as suas raízes afroamericanas infelizmente estão enterradas embaixo de camadas de história, prédios e luminárias nipônicas típicas. Quer dizer, estavam, porque a arquiteta e quadrinista paulistana Marília Marz transformou sua Tese de Conclusão de Curso em um quadrinho que revela as camadas invisíveis do bairro.

A autora conta em uma das introduções de Indivisível que o processo de produção durou 6 meses, sendo 4 destinados exclusivamente para a pesquisa sobre o bairro da Liberdade e dois à execução do livro em si. O que é impressionante, porque são aproximadamente 40 páginas de narrativa, sem contar o conteúdo extra que detalha mais sobre a pesquisa e o trabalho feito pela Marília.

A autora também ministrou um curso pelo Sesc em maio de 2019, onde conta mais sobre o processo de criação do quadrinho e como ele se relaciona com a sua trajetória pessoal; afinal, a história negra do bairro foi soterrada (literalmente, uma vez que os principais quarteirões do bairro foram construídos em cima do Cemitério dos Aflitos), assim como a identidade de Marília, que relatou ter sido “chamada de branca e discriminada como negra”.

E assim como a autora, Francisco José das Chagas – mais conhecido como Chaguinhas – também teve sua identidade negra confiscada por esse limbo: O único registro visual do ex-cabo do exército é uma pintura feita recentemente, à imagem de Michael Jackson, o suprassumo do limbo entre negro e branco.

Chaguinhas foi enforcado em 1821 após liderar uma rebelião que defendia igualdade de tratamento entre soldados brasileiros e portugueses. Mas foram necessárias três tentativas, já que a corda se partiu e frustrou as tentativas de execução, o que já foi o suficiente para considerar o momento como um milagre, gravar Chaguinhas como um santo popular e inflamar o povo ali presente a gritar por “liberdade!”, grito este que ecoou bravamente nas páginas da História e hoje em dia batiza a praça onde era realizada a forca, além claro do famoso bairro da Liberdade.

Em uma visita com olhares mais atentos, é possível desviar um pouco da arquitetura asiática e passar pelos últimos passos de Chaguinhas ao encontrar os dois prédios específicos que remetem à história de origem do bairro: a Igreja Santa Cruz das Almas dos Enforcados e a Capela dos Aflitos, sendo a primeira visível logo na saída do metrô à frente da Rua dos Estudantes, e a segunda bem escondida em um pequeno beco mais abaixo na mesma rua.

O quadrinho teve uma campanha de financiamento coletivo super bem sucedida no Catarse, superando a meta de 100% inicial, e sendo entregue aos colaboradores ao longo do mês de outubro. Importante lembrar também que a autora, Marília Marz, estará presente na Comic Con Experience 2019 exibindo a sua arte! Chaguinhas e o bairro da Liberdade nunca estiveram tão bem representados.

Amigão da vizinhança, torcedor do Bahia e mestre pokémon nas horas vagas