Muito se debate a cerca dos filmes de quadrinhos nos dias de hoje, principalmente o rumo que as grandes produtoras estão estabelecendo de cada lado e como seus universos estão se desenrolando. Mesmo que tenha uma leva muito grande ainda por vir, um dos filmes ainda mais aclamados e bem falados, e talvez o mais pé no chão de todos, ainda é a criação de Nolan, The Dark Knight.

O que nos instiga em sua trilogia é a forma como ele estabeleceu um Batman dentro de um universo possível, afinal tudo que se passa ao longo dos filmes é bastante pautado em nossa realidade. Creio que Christian Bale nunca se preocuparia em acreditar que existem outros vilões da galeria da DC como é o caso de Affleck que já reconhece ameaças externas, afinal Batman de Nolan se resume em um espaço único e sem muitas fantasias.

Em The Dark Knight o grande centro das atenções é o Coringa de Heath Ledger e como ele arquitetou seu plano para deixar o mais puro ser humano louco. A grande diferença estava em como o falecido ator abraçou todo o niilismo e caos que circulam o personagem, além de muitos estudos a cerca de Nietzsche, o ator mergulhou em famosas HQ’s e personagens conturbados como Alex DeLarge de Laranja Mecânica como podemos ver no seu famoso diário.

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O papel de Ledger foi muito difícil, mas também foi muito bem trabalhado ao longo de toda a narrativa do filme de Nolan, pois o diretor achou uma forma de representar um verdadeiro antagonista para o personagem principal. Não olhando pela lógica do personagem nos quadrinhos, mas de fato analisando estruturas de roteiro podemos ver como ele é bem feito. Em Story, Robert McKee afirma que “é preciso ter uma força antagonista muito forte ao protagonista para criar uma história intelectualmente fascinante e emocionalmente convincente”. E ao olhar para essas formas e dados para uma boa narrativa compreendemos o porquê da figura do Coringa ser tão forte em The Dark Knight.

Ao ponto que conhecemos um pouco mais sobre esse personagem percebemos o quão forte e expressivo na tela ele é, dessa forma capturá-lo é ainda mais difícil para Gordon, Dent e Batman. Para John Truby, o antagonista perfeito e poderoso é aquele capaz de atacar ao máximo os pontos fracos presentes nos personagens principais de uma narrativa, e o Coringa o faz a todo tempo. Toda sua teoria, bastante embasada em The Killing Joke, está em provar que qualquer um está a um passo da loucura e de se voltar contra a sociedade. A principal cria do vilão no filme é um outro vilão para o Batman, o Duas Caras, e ele foi feito através da destruição de um homem bom e justo, Harvey Dent.

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Porém, o ponto fraco que o Coringa ataca no Batman é principalmente seu código moral e como ele usa da intimidação para assustar seus inimigos. Enquanto o vilão está solto ele continua sua chacina pelas ruas de forma exponencial e ao final, ele quer mostrar que essa premissa de não matar é falha, porque o Coringa de fato não se importa com a morte e a única forma dele parar com isso é o matando. O Batman utiliza muito de suas habilidades como lutador e força para intimidar seus inimigos, mas chegamos a um ponto em que não importa o quanto o Batman o esmurre ele não irá se comover ou revelar informações.

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No mesmo livro McKee explica como é importante para o antagonista criar situações que tragam o protagonista ao seu limite, deixá-lo em situações difíceis. Para o autor, um personagem verdadeiro e autêntico se revela quando faz difíceis escolhas humanas sob pressão. Quando ele é apresentado a Batman e a cidade de Gotham, o Coringa o deixa com o dilema de contar sua identidade, ou muitos outros irão morrer ao longo do processo. A princípio, podemos confiar nas atitudes do Morcegão em querer fazer de tudo para manter a cidade a salvo sem prejudicar sua ideologia, mas com o passar do tempo fica cada vez mais difícil e o plano do Coringa cada vez mais perverso.

Embora o Coringa mencione a Harvey que ele é um cão louco que não sabe o que fazer, podemos ver ao longo da narrativa que ele é o oposto disso e seu plano está muito bem estruturado. Ele incita o ódio ao Batman pelas ruas de Gotham, decide ser preso e corromper policiais, cria um novo vilão e ainda mostra situações que revelem ao espectador quem de fato é o Batman.

Outra fórmula de McKee se apoia no fato que perfeitos protagonistas e antagonista embora distintos, possuem um mesmo objetivo, Gotham. Para Batman, seu princípio é trazer esperança para a cidade de Gotham, uma certa ordem e estabilidade nessa sociedade. Já o Coringa possui planos para a cidade também, mas quer encontrar o caos e a loucura dentro de cada cidadão.

O grande desafio do Batman nessa trajetória foi compreender a natureza do Coringa que para Alfred sempre foi: que esse vilão não procura por algo lógico, mas apenas ver o mundo pegar fogo. Com o passar da história podemos ver a transformação do próprio Batman e como ele passa a compreender melhor o universo que roda o mundo do crime. Como suas forças podem virar fraquezas em questões de segundo e dessa forma, o Batman evolui como personagem que compreende melhor sua cidade, que sabe da existência de limites e aprende que só ele pode tomar as decisões que ninguém mais pode pela cidade. E tudo isso graças ao Coringa e um roteiro muito bem trabalhado.

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Com o pé na estrada e a cabeça na lua.