Se existe alguma coisa que a HBO tem acertado com suas últimas produções, é a representatividade LGBTQ+. Por mais que uma ou outra ainda deixem a desejar (sim, eu estou falando do revival de Gossip Girl), ainda tivemos séries como Euphoria e We Are Who We Are, ambas com performances e produções excepcionais e incomparáveis entre si, mas que fazem jus à diversidade identitária da Geração Z. Generation é a nova aposta do estúdio: arriscada e surpreendente à sua maneira, a série promete e cumpre ser diferente do que já vimos anteriormente nas obras aclamadas de Sam Levinson e Luca Guadagnino. Essa disparidade conseguiu trazer o público mais para perto da história tanto quanto fez os críticos torcerem o nariz. 

Tendo estreado no final de julho deste ano, Generation já é uma das produções essenciais no catálogo da HBO Max. O dramédia foi criado por Zelda Barnz, de 19 anos, com a ajuda de seus pais, Daniel Barnz, que também dirigiu e co-escreveu alguns episódios e  Ben Barnz, produtor executivo ao lado de Lena Dunham (Girls). A narrativa da série em si é intrinsecamente jovem e queer, seguindo um mantra por todo seu desenvolvimento de retratar uma realidade da Geração Z  “não filtrada pelas lentes dos adultos”.

Isso foi, em grande parte, o que fez com que eu me apaixonasse por Generation. Por melhor que fossem produzidas, com fotografia e elenco absurdamente caros, nenhuma outra série conseguiu transparecer com tanta verossimilhança e delicadeza a verdade universal do que é ser jovem em 2021. 

 A história segue um grupo diverso de adolescentes cujas perspectivas se articulam em uma apresentação de múltiplas narrativas e cronologia fragmentada, o que ajuda a estabelecer os personagens centrais, ainda destacando em paralelo uma das temáticas principais sobre como cada um é a estrela de sua própria história e pode, inevitavelmente,  estar alheio ao que está acontecendo ao seu redor. 

Conhecemos Greta (Haley Sanchez), uma adolescente latina assolada pela timidez que se apaixona perdidamente por Riley (Chase Sui Wonders), uma fotógrafa de espírito livre que parece cada vez mais presa à rotina tóxica do divórcio recente dos pais. Os gêmeos Nathan (Uly Schlesinger) e Naomi (Chloe East), duelam interesses amorosos e a intolerância da própria mãe quanto à bissexualidade de um deles.  Arianna (Nathanya Alexander) e Delilah (Lukita Maxwell), junto de Naomi, formam uma aliança caótica e imprevisível que é posta à prova diversas vezes ao longo da trama, mas não decepciona em entreter o público e até mesmo os próprios personagens. 

Mesmo que a série não prometa um protagonismo escancarado, é impossível não reconhecer Chester (Justice Smith) como o ponto de encontro de todas as tramas, que mais parecem orbitar em torno do personagem. Smith já era o protagonista em The Get Down e Por Lugares Incríveis da Netflix , mas este é, sem dúvida,  um papel de destaque que fez jus ao seu talento. Chester é um atleta de polo aquático popular e um garoto negro abertamente gay enfrentando autoridades retrógradas, corações partidos e ansiedade aguda (que está sempre dividindo cena com o personagem, por mais autoconfiante que este seja). 

Logo em seu primeiro episódio, a série já mostra o carisma de Chester, apresentando-o como alguém amado e admirado por todos que o conhecem. Nesse aspecto, Generation coloca contra a parede uma boa parcela das séries adolescentes que conhecemos (até mesmo as mais aclamadas), por não minimizar ou estereotipar pessoas queer como mártires excluídos que sofrem bullying no colégio.

Foi assim que a série me conquistou desde o início, mesmo que me envergonhe admitir que me impressionei com o mínimo. Afinal, é óbvio que Chester seria popular com toda sua confiança, gentileza, estilo próprio e senso de identidade. A questão é que, sempre estive tão acostumada com a retratação estereotipada de personagens LGBTQ+  por outras gerações de cineastas, que assistir algo tão familiar choca, mesmo em seus detalhes. 

Inclusive, a familiaridade é o grande trunfo da série. Com um figurino invejável e uma trilha sonora à altura, os assuntos trazidos não são só extremamente atuais, como também são tratados e absorvidos de uma forma brutalmente semelhante ao dia a dia de muitos GenZers: desde o humor ácido (que soaria irreverente se não fosse tão identificável), a maneira que os adolescentes se comunicam entre si (da rotina das redes sociais ao convívio cara a cara)  até a aspereza das discussões com a família, seja essa conservadora ou não. 

Além de que, com seu elenco majoritariamente jovem e desconhecido e uma coleção de performances fascinantes, Generation cria uma intimidade com seu público que vai muito além do que parece ser dito entre uma cena e outra. O programa se sustenta nos momentos e sentimentos compartilhados pelos personagens, dos mais alegres aos mais angustiantes. Essa fundamentação sincera retribui de uma forma muito simples mas ainda eficiente, já que é impossível não se projetar nos personagens, tanto nas festas insustentavelmente anárquicas quanto na possibilidade reconfortante de sentar perto de quem você gosta na excursão da escola.

Generation em momento algum finge ser o que não é: não segue os passos pavimentados por Euphoria quanto à estética melodramática ou sequer acompanha a linha narrativa soturna e gutural de We Are Who We Are. A série compreende desde o início que seu sucesso mora nos detalhes que nenhum adulto barbado parece entender direito, até porque os dramas são nossos e as piadas também. Todas as temáticas e, principalmente, a maneira como foram executadas montam uma atmosfera invariavelmente íntima da juventude dos dias de hoje, o que, querendo ou não, distancia as gerações anteriores da essência do programa – um risco que um cineasta mais experiente talvez não correria, mas Zelda ainda está no começo da sua carreira e espero que nunca deixe de tomar decisões arriscadas se estas resultarem em obras tão fascinantes e honestas como Generation

Construindo minha odisseia com palavras que encontro por aí