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Nessa quinta-feira levantamos cedinho em Paraty e partimos rumo à Casa da Cultura assistir à palestra chamada “A Origem das Histórias”, com João Anzanello Carrascoza e Luiz Ruffato.

Saímos do hotel pouco depois das 7 horas pois no dia anterior nos haviam dito para chegar 1 hora antes no evento para garantir uma cadeira. Andando pelas ruas semi-desertas de Paraty com uma névoa considerável, eu fiquei pensando que o Brasil colônia deveria ter sido mais ou menos assim – com a diferença que eu tinha um celular no bolso e usava calças jeans e que o Pedrão, o João e a Carlota Joaquina não passariam mais por aqui.

Tomei um café em uma padaria inaugurada em 1900. MIL E NOVECENTOS. Esse café-da-manhã na padoca novecentista me fez lembrar que existia um Brasil antes da Dercy Gonçalves mas, por outro lado, 115 anos de cafézinho depois ele ainda estava meio aguado.

No encontro com João Carrascoza (autor de “Aos 7 e aos 40”, entre inúmeros outros livros e um projeto belíssimo de microcontos da cidade – contos com apenas uma linha – em parceria com o Itaú, além de professor da USP e da ESPM) e Luiz Ruffato (autor de “Eles eram muitos cavalos” entre outros romances) eles trataram um pouco sobre o seu jeito de contar histórias e suas origens.

Carrascoza veio de Cravinhos, se formou em propaganda na USP e contou algumas histórias de seu pai, um vendedor de cereais que viajava muito e era um grande contador de histórias. Ruffato contou vir de uma família muito pobre, filho de um pipoqueiro e de uma lavadeira que acabou indo estudar num colégio de classe média e se refugiava do bullying do colégio na biblioteca, onde uma bibliotecária acabou lhe dando um livro atrás do outro e o fez se apaixonar pela literatura.

Foi tratado, também, do discurso feito por Ruffato na feira do livro de Frankfurt, onde ele foi representar a literatura brasileira e fez um discurso falando sobre as profundas desigualdades presentes no nosso país envolvendo racismo, homofobia, desigualdade social e machismo. Apesar de uma comunidade – principalmente virtual – ter rechaçado Ruffato por esse discurso (segundo ele, chegou aos seus ouvidos que disseram “isso que dá colocar o filho de um pipoqueiro para falar em nome do Brasil”) Carrascoza nos conta que esse discurso de Ruffato fez o público de Frankfurt aplaudí-lo por 15 minutos seguidos. Como o próprio Ruffato disse: Se uma feira de livros e literatura não for o lugar para se discutir a sociedade em que esse escritor está inserido, onde seria?

Depois desse encontro fantástico com os dois escritores, por volta das 10:30 da manhã demos uma volta no centro histórico onde eu acabei parando em uma livraria e adquiri uma edição da HQ Diomédes, de Lourenço Mutarelli, que reunia os 4 volumes do detetive. Em seguida, almoçamos em um restaurante pertinho aqui do centro histórico e partimos para o SESC.

Às 14h assistimos ao Café em Cena, com Renato Ferracini (professor da UNICAMP e diretor/ator da companhia de teatro LUME), Valmir Santos (crítico e pesquisador teatral) e Cassiano Sydow Quilici (professor e pesquisador da UNICAMP). Nesse breve café/palestra foi discutida a autoralidade no teatro, como alguns grupos se utilizam da criação coletiva, o teatro centrado no autor e como a linguagem teatral preza pelo instante. Foi a primeira vez que o SESC fez uma mesa sobre teatro aqui na FLIP e contou com representantes de peso.

Depois de um delicioso cafézinho coado com caldo de cana parti para a casa da Editora ROCCO para uma discussão sobre literatura nerd com uma tradutora da editora e um editor da Revista Galileu. Segundo a palestrante, um grande marco na cultura e literatura nerd foi a série Harry Potter que conseguiu fundir o estilo, ou melhor, mergulhá-lo na cultura pop.

Foi discutida a jornada do herói e como ela se encaixa em O Hobbit, Harry Potter, Breaking Bad, além de como George Martin da Guerra dos Tronos insiste, mesmo que inconscientemente, em quebrar (ou tentar quebrar) os passos dessa jornada tão clássica. A palestra terminou com uma discussão sobre multi-meios e como o Universo Marvel está se utilizando de tantas plataformas diferentes e criando um mundo tão complexo de uma forma multifacetada.

Às 19:30, na Tenda dos Autores, um encontro com o escritor irlandês Colm Tóibín, autor de O Mestre, O Testamento de Maria, Nora Webster entre inúmeros outros romances. Ele expôs um pouco sobre a sua maneira de construir personagens contando um pouco sobre Nora Webster e contou que não gosta nem um pouco de escrever em um lugar confortável. Segundo ele, ao escrever, você está lidando com coisas muito fortes para estar relaxado. Obviamente que no fim da palestra eu corri comprar o livro de Nora, porém não consegui um autógrafo do autor.

21:30 vinha a mesa principal: Marcelino Freire, autor pernambucano de “Angu de Sangue”, “Nossos Ossos” entre outros, e o gigante escritor/músico Jorge Mautner. Para tentar resumir essa viagem cósmica: Marcelino Freire leu 2 de seus contos e contou sobre sua infância, uma ligação muito forte com a mãe e sua poética-violenta do sertão pernambucano. Jorge Mautner, ignorando a maioria das perguntas, fez uma viagem poético-ululante sobre anarquistas, rabinos, Gilberto Freire, tropicalistas, Ademar de Barros, Jânio Quadro comendo sanduíche, Jesus de Nazaré e os tambores do candomblé, amálgamas, o Brasil tem 95% do nióbio do mundo, aquíferos, largou Mário de Andrade pra escanteio e repetiu algumas vezes “isso é tudo”. Essa última frase pode ter parecido insana, mas foi mais ou menos isso ao longo de todas as falas desse artista gigantesco em um final maravilhoso e bem maluco dessa Quinta-feira, o segundo dia do Newronio ESPM aqui na FLIP.

Amanhã falaremos sobre essa Sexta-Feira, que contará com uma mesa com o historiador Bóris Fausto, um evento da off-FLIP sobre a literatura policial brasileira, quem sabe conseguiremos ver o show da Adriana Calcanhoto entre muitas outras coisas direto de Paraty! Até amanhã!

Sai sempre de casa com uma palheta, uma câmera e um livro.