Quem não se lembra da cena de Game of Thrones, quando Tyrion exige um julgamento por combate como “recurso judicial”? Em princípio, pode parecer um absurdo, mas esse era um fato muito bem aceito em épocas mais antigas. Ainda na idade média, em julgamentos sem testemunhas ou provas, costumavam praticar o duelo. Não é a toa que os nobres treinavam tanta esgrima. E não pense que as mulheres ficavam de fora. Rolava duelo até por divórcio. Quando enfrentavam um homem, eles ficavam limitado a um buraco, mas a espada comia solta igualmente.

A decisão de um combate corporal era tida como justiça no lugar da razão. Aos poucos, juntamente com a modernidade, essa prática foi desaparecendo, sendo considerada hoje como uma barbárie. Apesar de ser comum em baladas e outros lugares dominados pela testosterona, resolver impasses pela violência física não é aceita socialmente.

5010076-seu-madruga-vs-prof-girafal

Johan Huizinga, um historiador sobre a cultura medieval, desenvolveu um conceito interessante sobre a relação do combate com a justiça: ambos possuem o mesmo princípio lúdico. Em sua obra clássica (e indispensável para quem se interessa por games mais a fundo), Homo ludens, o aspecto lúdico é mostrado como uma necessidade antropológica do ser humano. A expressão homo Ludens se trata de uma contraposição ao homo sapiens. Para o autor, o aspecto lúdico do ser humano seria maior do que sua vocação para a razão. A atividade lúdica seria algo tão necessário quanto a própria vida.

A atividade lúdica tem algumas características: possui regras, espaço delimitado, luta por representatividade e uma função ritualística. Se não houver qualquer um desses pontos, o aspecto lúdico se perde. Pode reparar em qualquer tipo de jogo. O julgamento, assim como o combate, correspondem à essa lógica. Por exemplo:

Julgamento
Lúdico: Roupas típicas de juízes, bandeiras (em algumas culturas, a peruca de séculos passados ainda é usada)
Luta por representatividade: Promotor representa a acusação, advogado a defesa, etc.
Espaço delimitado: Tribunal
Regras: Quem argumenta e articula melhor as provas, vence.

Duelo Medieval
Lúdico: Bandeiras, brasões, juramentos
Luta por representatividade: Brasão, bandeiras, time
Espaço delimitado: Arena
Regras: Quem for melhor lutador, vence. No caso, até a morte faz parte das regras.

A ideia que temos de justiça como algo racional, uma verdade contra uma mentira, é relativamente nova. Em culturas primitivas o vencedor da competição sempre tinha a legitimidade no julgamento. A noção de justiça muda conforme o espírito do tempo, mas o aspecto lúdico sempre permanece. Ainda combatemos, mas ao invés de espadas, usamos argumentos.

“De certo modo, a civilização sempre será um jogo governado por certas regras, e a verdadeira civilização sempre exigirá o espírito esportivo, a capacidade de fair play.” (Huizinga, 2000 p. 234)

Publicitário nerd metido a psicólogo de cachorro. Mestre em Comunicação pela ESPM e em Epic Fail pela vida.