Em um mundo cada vez mais divido, onde o narcisismo humano atinge novos ápices diariamente e os “donos do mundo” continuam travando batalhas de egos mimados (muitas vezes contra a própria população), é natural que a arte reflita o descontentamento daqueles que verdadeiramente se preocupam com a liberdade e bem-estar social. O número de produções politicamente engajadas cresceu exponencialmente: do humor ao terror, a eleição da figura midiática e agora presidente norte-americano Donald Trump foi a gota da água para muitos artistas, principalmente para a lenda-viva Roger Waters.

Além da discordância quanto à muros, Waters é responsável por noventa e nove por cento do cunho político do Pink Floyd, exemplificados em faixas como “Money” e “Welcome to the Machine” e nos álbuns Animals (1977), The Wall (1979) e The Final Cut (1983) e atualmente não está nada feliz com a situação do mundo. Vinte e cinco anos após seu último álbum (não contando a ópera em três atos Ça Ira (2003)), Waters volta com Is This The Life We Really Want?, um disco lento, denso e íntimo, fruto do seu desgosto pela vida pós-moderna imposta e da responsabilidade que sente como um dos maiores e mais influentes músicos de todos os tempos.

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Com várias referências literais e melódicas às músicas antigas do Pink Floyd, o início do disco engloba nostalgia e anseios sobre o envelhecimento, seguida pelo single ‘Déja Vu’, a “sequência espiritual” da música de três partes ‘What God Wants’, presente no antecessor Amused to Death (2002), na qual ele questiona o trabalho de Deus se colocando na posição hipotética de um. Sua indignação continua no outro single ‘The Last Refugee’, a qual carrega sua tristeza em relação à situação de Alan Kurdi, o garoto sírio de três anos encontrado morto na praia turca. A canção foi lançada acompanhada do poético curta da dançarina refugiada, com cenas de um passado bonito e contrastante com o futuro incerto.

Suas mensagens continuam fortes e diretas em ‘Picture That’, a que possui sonoridade mais próxima das músicas antigas do Floyd. Em ‘Broken Bones’, o silêncio e capacidade humana de ignorar o passado são os mártires da canção, sobre como deixamos de lado os ossos quebrados e seguimos o “sonho americano”. A faixa-título do álbum representa a mais politicamente agressiva entre composições, enquanto as demais apoiam e sustentam os ideais do cantor, misturando velhas melodias do Pink Floyd e temas românticos que contrastam com o discurso de indignação. O peso do desabafo do cantor pode aparentar “melancólico demais” e o resultado, se comparado ao último trabalho do ex-companheiro David Gilmour, Rattle That Lock (2015), aparenta ser fruto da mesma discussão entre os dois sobre a relação musicalidade/conteúdo.

Mas até quando vamos continuar substituindo pássaros por drones ou defendendo ideias que somos obrigados a seguir por pura questão de aleatoriedade genética e geográfica? Não elegemos mais por sermos “abençoados” pela democracia, mas por medo do que se faz hoje com poder. Ignoramos completamente a miséria que nos cerca, matamos com o silêncio, nos fechamos em conchas hedonistas por puro comodismo e tudo isso parece certo enquanto os porcos continuam nos alimentando, entretendo e suprindo a necessidade doentia de ver coisas absurdas nos noticiários. Por mais que pareça extremamente melancólico e (um pouco) pedante, o novo álbum do Roger Waters e seus significados não vieram atoa. É um desabafo sério sobre problemas sérios que podem ser resolvidos se passarmos a olhar um pouco em volta.

Crítico mirim, desenhista amador, escritor júnior e futuro diretor (se tudo der certo).