Elísio Lopes Jr. é um roteirista e artista multifacetado, originalmente de Salvador (Bahia), atualmente vivendo no Rio de Janeiro. Já trabalhou com teatro, literatura, programas de TV e mais — como no “Fantástico”, no espetáculo “Tia Má com a Língua Solta” e no “Esquenta”, da Regina Casé. 

Mais recentemente, teve como trabalhos de destaque o filme “Medida Provisória” (2022), primeiro filme longa-metragem dirigido por Lázaro Ramos, e que foi premiado no Festival de Memphis, e a novela “Amor Perfeito”, no qual é co-autor com Duca Rachid e Júlio Fischer, atual obra da faixa das seis da TV Globo.

Em entrevista ao Newronio, Lopes Jr. respondeu algumas perguntas sobre suas obras e processo artístico, além de oferecer dicas aos aspirantes a roteiro.

O filme “Medida Provisória” trata de um futuro no qual uma medida provisória ordena que todos os negros do Brasil “retornem” à África. Você acredita que narrativas especulativas — distópicas, fantásticas, ficção científica etc — podem propor a audiência algum tipo de reflexão, através deste exercício de imaginação?

Elísio: “Sim. Partir do contexto do público para construir a ficção é, para mim, o dispositivo mais encantador. Creio que a dramaturgia precisa ir além do documental. É nosso papel provocar caminhos, traduzir medos e sonhos em histórias. O curioso é que o ‘Medida Provisória’ precede a gestão de Bolsonaro. É uma narrativa desenhada exatamente no período em que a população negra do Brasil vivia seus melhores dias, no primeiro governo Lula, com várias conquistas. Veja como a fantasia é um risco. Quando o filme chegou ao público, todos nós nos perguntamos: ‘será? Esse filme não tá dando mais ideia pra esse povo louco?’ Mas é isso, a realidade às vezes é mais ficcional que a dramaturgia.”

A novela “Amor Perfeito” tem o protagonismo de uma família multiétnica/racial, o que é ainda raro nas novelas (e no audiovisual em geral). Pode falar um pouco sobre as motivações e desafios por trás dessa decisão e como tem sido trazer essa representação para a novela? 

Elísio: “É um desafio colocar no ar uma história com vários personagens negros, que não fala sobre a questão racial. Essa é a revolução. Não estamos discutindo racismo, nem questões pretas. É sobre o direito de existir e de nossas abstrações. Poder falar de tudo. Isso sim é humanizar a nossa existência. Essa novela tem esse objetivo. Normalizar a nossa existência nas diversas esferas da sociedade. A questão do romance entre um homem negro e uma mulher branca, isso é muito o Brasil. E tem um filho entre eles, um menino negro, filho de uma mãe branca. Precisamos debater isso. As dores que atingem as mulheres negras que são preteridas, os homens negros que precisam aprender a amar e expressar sentimentos. São muitos processos. Mas o fato de estarmos na tela é caminhar com todas essas pautas.”

No seu livro “Monocontos”, você trata de uma variedade de temas nos contos que o compõe, de artistas itinerantes até deuses romanos. Como surgiu a ideia para o livro e como a inspiração desses diversos temas influencia seu trabalho? 

Elísio: “Os atores sempre me pediam textos para usar em audições de teatro ou testes de TV. Comecei a juntar monólogos que eu escrevia para atores, para eventos, ou personagens que nasciam na minha mente, mas que não estavam em nenhuma história completa. Foi isso. Fui juntando minhas criaturas. Depois outros foram nascendo e os capítulos se organizando em Atos. São textos curtos para serem lidos em voz alta. Acho que é um exercício saudável para atores e não autores. Acredito que existe literatura para ser consumida em voz alta. Esse livro é isso”.

Nas suas obras (como as três citadas anteriormente), é possível identificar alguns temas em comum, como um senso de justiça e resiliência presentes tanto, por exemplo, na Marê protagonista Amor Perfeito quanto em Antônio em Medida Provisória. O quanto você sente esses temas são importantes para seu processo criativo e seus resultados? 

Elísio: “Essa pergunta é sobre representatividade. Heróis que erram.  Pessoas que falham, mas que desejam corrigir e acertar. Nós, latinos, acreditamos no arrependimento. E esse é um sentimento muito forte pra gente. Isso tem sempre nas minhas histórias. Esse direito ao erro. E um questionamento sempre, em torno do julgamento do olhar do outro”.

E, por último, que recomendações você daria para aspirantes a roteiristas no Brasil?

Elísio: “Escrevam. Não acreditem tanto em formatos. Os melhores roteiros são aqueles que encontram a sua forma. Roteiro é como o corpo humano, não existe o padrão que agrade a todos. Faça o seu”.

A novela “Amor Perfeito”, é exibida diariamente pelo canal de TV aberta da TV Globo, na faixa das 18 horas, sendo depois disponibilizado no streaming da emissora, o Globoplay. O filme “Medida Provisória” também está atualmente disponível no Globoplay. Já o livro “Monocontos”, publicado pela editora Malê, pode ser comprado em livrarias, pelo site da editora e em alguns sites de compras online. Para acompanhar novidades sobre Lopes Jr., é possível segui-lo pelo Instagram através do seu usuário @elisiolopesjr.