No ambiente universitário, encontramos há alguns anos em Zygmunt Bauman um autor chave. É possível encontra-lo nas referências bibliográficas de muitas disciplinas. Ele achou uma linguagem direta e acessível aos alunos de graduação para se referir àquilo que se chama de hipermodernidade, cultura do narcisismo, contemporaneidade. Mais que usar a expressão sugestiva, ‘alta-modernidade’, ele encontrou na imagem do ‘líquido’, que compõe o título de muitos de seus livros, a expressão da dissolução de todas as referências coletivas, ou mesmo individuais: Estado, religião, família, verdade, vínculos, indivíduo, etc. Este processo começou com a própria Modernidade ocidental e, na realidade, é uma de suas principais características.

Como estamos dentro do processo, não temos a escala perspectiva que nos permita perceber para onde vamos a partir daí, mas tenho a impressão de que já temos indícios de algo que é, no mínimo, uma reação.

É difícil habitar momentos sem referência; eles nos impõem angústia e a necessidade de darmos conta das coisas sozinhos. No Renascimento, isto levou ao valor do indivíduo. Na dificuldade em nos sustentarmos numa situação de indefinição, uma das primeiras reações é voltar a um campo anterior, sentido como seguro.

Hoje, ao menos aqui no Brasil, o mundo líquido já vai coalhando, e à falta de formas novas de ser bem desenhadas, surge algo mais visível: a volta a formas autoritárias de regular a vida coletiva. Há boas doses de autoritarismo até em discursos que se apresentam como emancipadores e de defesa a minorias que sofrem violência.

Nas últimas semanas, a pretexto de defesa de valores religiosos e conservadores(que não teriam o apoio do Papa Francisco e de muitos grupos religiosos), temos visto retrocessos assustadores vindos do poder legislativo. Reabertura do discurso pela flexibilização do armamento pela população; a imposição de uma moral arcaica e violenta com relação ao aborto e às técnicas de contracepção; e até um recurso para que instituições religiosas possam ter algum controle sobre o poder judiciário. Em meio à crise econômica e do governo, esta pauta vai passando.

Enquanto eu apenas lamentava o nível do congresso no qual votamos, li ontem as primeiras pesquisas sobre a intenção de votos para eleição para Prefeito de São Paulo em 2016. Mais do mesmo, muito mais do mesmo.

Caso haja algo novo se desenhando, não é o no campo da política profissional. Nele, só se vê medo, defesa e retrocesso.

desanti

Pedro de Santi

Psicanalista, doutor em psicologia clínica e mestre em filosofia. Professor e Líder da área de Comunicação e Artes da ESPM.

   

 

 

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