Certa vez, ao ser contratado por uma agência de propaganda de gestão familiar, percebi o forte desejo do proprietário em profissionalizar sua equipe. Ele, com idade já avançada, conhecia seus paradigmas e pedia minha ajuda para superá-los. Devo confessar que fiquei extremamente lisonjeado com a missão e me dediquei, de corpo e alma, a gerar resultados positivos para legitimar os próximos passos que adviriam. Entretanto, o que não percebi, foi o movimento paralelo dos filhos deste empresário. Já cursando a faculdade, também tencionavam entrar para a empresa e colaborar para os seus futuros destinos profissionais. Cada qual tinha uma referência e um modelo na cabeça, os quais não foram revelados devido a um propósito mais nobre. Ambos, emocionalmente, passaram a utilizar seus trabalhos e crescente dedicação como um resgate da relação pessoal com o pai, de certa forma distante desde o seu divórcio. Em menos de três meses a família, resgatada e renovada, mostrava novas forças e minha gestão profissional sucumbia. Os filhos, envolvidos na trama emocional que o trabalho passou a representar, enciumaram-se da minha intimidade e poder junto a seu pai. E teve início, então, meu processo de fritura lenta e gradual.

Deste período, onde questionamentos e aprendizados importantes experimentei, compreendi que o jogo em uma empresa familiar é estimulante e pesado, tal como em empresas com outra forma de gestão. Mudam somente os contornos. Por exemplo, no desenvolvimento de projetos e sua posterior implementação, o executivo deve atentar para a visão mais especialista e, ao mesmo tempo, holística possível – sem esquecer do foco naquilo que realmente rege os interesses estratégicos da companhia em questão, os anseios do grupo familiar. Observem que, por se tratar de uma empresa familiar, olhamos com um certo desdém para essa consideração aos desejos do dono. Mas será que não é isso que muitas vezes também fazemos com os interesses dos C.E.O.’s? O jogo político é tão pesado quanto em qualquer outra empresa, exceto pelo fato de haver muito afeto e emoção nas disputas ali realizadas. Logo, é fundamental observar o histórico das relações familiares para entender as posições atuais e as futuras.

Por mais estratégicos, competitivos e integrados que possam ser os projetos propostos por executivos que compõem a família, há certamente uma carga emocional que puxa para a visão pessoal que cada qual tem para o futuro da empresa. E o veto ou a concordância do profissional contratado pode ser interpretado como estar aliado à uma eventual facção. Não que se recomende intencionalidade, mas o executivo deve ter consciência dos resultados de sua posição. Isenção completa das relações afetivas da família é fundamental. Mas não se relacionar é, também, muito perigoso. Evite tomar partido ou se envolver diretamente nos processos de foro íntimo, que só dizem respeito aos próprios membros do grupo familiar. Não é ruim preservar sua idoneidade. Em casos de reuniões que descambem para rusgas, é prudente pedir licença e retirar-se, de forma estratégica. Empreendedorismo , network, marketing pessoal, informação, enfim, todos os atuais temas sugeridos aos executivos permanecem válidos neste caso. Mas o sucesso na empresa familiar depende primordialmente de dois aspectos: do trânsito exclusivamente profissional diante das questões familiares e da capacidade de ser, em certos momentos, o elo entre esta realidade emocional e o mercado, de onde poderá filtrar oportunidades com a isenção das expectativas regidas pelo afeto.

Por fim, por mais que sua posição seja percebida como importante, por mais que os gestores lhe atribuam valor e que você tenha construído a sua rede de informações e de relações políticas, nada, mas nada vai se comparar ao café da manhã em família, do qual você não é personagem e nem convidado. E é lá que muitas das decisões são tomadas. Ou situações não-racionais acontecem, e acabam por se refletir diretamente nas decisões posteriores. E com esse fato você terá de lidar, da mesma forma que, com total competência, desempenha suas funções profissionais. Vale ressaltar que, ao ser fustigado pelas ansiedades de viver um processo como o descrito acima, não é culpa sua não fazer parte da família que gere a empresa. Mas é sua total responsabilidade a habilidade de transitar em um ambiente tão peculiar, que um dia fez seus olhos brilharem por todas as perspectivas e possibilidades ali contidas. Ainda que sem a intimidade do café da manhã.

 

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Paulo Cunha

Experiência profissional como: publicitário em agências de propaganda (22 anos), docente (15 anos) e psicanalista (dois anos). Doutorando em Comunicação pela ESPM-SP. Formação em Psicanálise pelo CEP (Centro de Estudos Psicanalíticos). Mestre em Comunicação. Especialização em: Formação de Professores para o Ensino Superior em Marketing. Graduação em Comunicação Social. Áreas de pesquisa: pensamento estratégico, comportamento humano e cinema. Autor do livro “O cinema musical norte-americano – história, gênero e estratégias da indústria do entretenimento” e Coordenador do curso de Comunicação Social da ESPM/SP.

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