Quinta-feira foi um dia difícil. Mesmo. Acordar 8h30 depois de ir dormir quase 3h da manhã, passar o dia inteiro andando, absorvendo e pensando e voltar para o merecido descanso exatamente às 2h da manhã esgota qualquer um. Mas essa é a FLIP. Mesmo que se tente esconder em algum canto outrora obscuro, alguma música, algum papo, alguma ideia vem até você e te puxa pela curiosidade. Ficar parado aqui é impossível.
Depois do apressado (e sonolento!) café da manhã, corro para a Casa Folha para pegar meu merecido café e assistir Alexandre Vidal e Silviano Santiago discutirem Sexualidade, felicidade e auto-exílio. Talvez mais pela conversa do que pelo café, admito. O novo livro de Vidal, Sérgio Y. vai à América, sobre um terapeuta cujo paciente se muda para Nova Iorque e por lá é assassinado, conversa muito com um romance anterior de Santiago, Stella Manhattan. A discussão gira em torno da questão da sexualidade abordada em ambos os livros e também dos sinal dos tempos: Sérgio Y. parece não precisar tratar da sexualidade, mas, quase como uma discussão posterior e mais atual, da questão do abandono de uma identidade em favor de uma completamente nova. Ambos os livros fazem também paralelo com a história clássica dos migrantes: a viagem como saída para se encontrar a felicidade.
Em seguida, Eliane Blum, Charles Peixoto e Gregório Duvivier discutem Prosa e Poesia. Brum, com seu histórico de jornalismo e a arte de contar a história de outros (que, como ela afirma, talvez só sejam dados a chance de viver através das palavras) escreve pela primeira vez sobre si em “Meus Desacontecimentos”. Curioso notar que a escritora diz ter nascido apenas ao 9 anos, quando encontrou, enfim, o poder das palavras e passou a escrever. Antes disso, “Eu Caos”. Charles Peixoto foi integrante do grupo Nuvem Cigana, de poesia e performance transgressora no Brasil, e é um tanto irreverente. Nada diferente do que se esperaria de alguém que escreveu um livro com o título “Marmota Platônica”.
Talvez a grande revelação da mesa tenha sido Duvivier. Com um trabalho de bastante conhecimento popular que é o Porta dos Fundos, ter contato com seus textos, menos histriônicos e um tanto mais interessantes, foi uma ótima surpresa. Destaque para a prévia de seu livro que sai em novembro, “Put Some Farofa”, em que dá dicas em Portunglês (ou, como por aqui é conhecido, Joel Santanês) para um gringo, de como se comportar à como melhor apreciar a culinária brasileira. Em sua declamação “Don’t say you gringo, por que gringos are visados. Say you are from Florianópolis. Florianópolis have blue eyes and look like gringo. And they have um sotaque estranho também.”
Andando na hora do almoço encontrei a Casa Rocco e a Casa Libre, cuja programação é denominada Off Flip, ou seja, está fora da programação oficial e, consequentemente, passam facilmente despercebidas. Uma pena.
O acontecimento mais interessante do dia, verdadeira vergonha para mim, e que talvez mais sintetize o que é a FLIP foi meu inusitado e mal-aproveitado encontro ao lado da Tenda dos Autores, enquanto esperava a mesa sobre literatura russa com Elif Batuman e Vladímir Sorókin. Eu, após o almoço e com um café na mão, decidi sentar para colocar ideias e papeis em ordem. Eis que não havia nenhuma mesa livre, embora em uma delas uma moça muito alta sentava sozinha e havia espaço mais do que suficiente para dividir. Me desculpo a intromissão e pergunto se podemos dividir a mesa. Ela não fala português. Curioso. Sento-me, troco algumas palavras e continuo o que planejava. Em poucos minutos um homem chega e começa a conversar com ela. Peço desculpas de novo, dizem que não há problema e ela me diz que ele é do meu país. Ok. Troco algumas palavras com ele e descubro, para assombro da nação, que a moça em minha frente vai subir à mesa logo mais. Minha ficha cai. Estou dividindo uma mesa de café com uma convidada internacional da FLIP e o mediador do próximo encontro. Que vergonha, digo a eles, não tê-los reconhecido. Vergonha maior ainda ser uma autora cujo trabalho ainda não me é próximo, embora já tenha me chamado a atenção anteriormente.
Isso mostra que, em época de FLIP, todo mundo é gente como a gente. Menos talvez Andrew Solomon, que perambula pelas ruas de Paraty com seu jeito de fora. Quando digo de fora, me refiro ao planeta Terra.