Meu café da manhã começa antes de, de fato, acordar. Somente a segunda xícara de café é capaz de terminar o trabalho começado pelo despertador. Grande dia pela frente, com grande ansiedade pela mesa de Michael Pollan, cuja afirmação de que cozinhar é um ato político não só me atingiu como uma bala de lucidez como me deixou profundamente envergonhado pela hipocrisia de minhas ações. Durante o café da manhã mal sabiamos todos que tudo que acontecera até então seria solapado de nossas mentes pela intensa, pesada, esclarecedora e brilhante fala de Andrew Solomon ao final da tarde, que, ao final, causou verdadeira epidemia de “preciso dar uma volta para pensar um pouco”. Dei sorte, ouvi isso de meus dois companheiros e fui o único cuja volta ficou no mesmo lugar. Mas vamos chegar lá daqui a pouco.

Logo de manhã uma das estrelas da Casa Folha tinha seu momento”Contardo Calligaris falando sobre sexualidade, adolescência e o papel dos pais nisso tudo (a conexão com os papos da noite anterior no sarau erótico não paravam de vir à minha cabeça). Sobre pais e sexualidade, a opinião do autor é simples: quando menos os pais se envolverem, melhor. O mais divertido foi assistir à uma mãe e sua filha adolescente sentadas logo à frente do palco, que tentavam jamais trocar olhares entre si, como que se tudo que era dito fosse direcionado exatamente a elas. Uma verdadeira cena à parte.

Contardo também dá, sem querer, uma excelente forma de incentivar jovens a estudar quando afirma que “O sexo na espécia humana não é mais natural, hoje é cultural. E quanto mais cultura se tem, melhor sabe-se aproveitá-lo”. Fica a dica.

Na hora do almoço, nada melhor do que falar de comida (ok, talvez seja a pior coisa). Michael Pollan, após anos de seu jornalismo investigativo, resolveu investigar bem perto de casa. Em seu jardim, para ser mais específico. Como esses elementos da natureza se tranformam naquilo que comemos? Qual é esse por vezes misterioso processo que se dá? Desse questionamento o autor aumenta o escopo de sua pesquisa para também entender o impacto dos alimentos em nosso corpo bem como quais os significados históricos, sociais e antropológicos de cada ato dentro de nossa cozinha.

A começar vivemos em um período sombrio: com o domínio das grandes corporações perdemos completamente o conhecimento sobre a origem de nossos alimentos. Até muito pouco tempo até mesmo conhecíamos aquelas pessoas responsáveis pelo que chegava à nossa mesa. Hoje nem mesmo sabemos de qual país certas coisas vêm. Pollan é um ferino crítico da indústria alimentícia, afirma que o supermercado é o lugar mais traiçoeiro que existe, uma vez que apenas pensar na tabela nutricional convencional não é um indicativo de saúde. Sua máxima engana por parecer simples: “Coma comida, não muito, principalmente vegetais”. Agora, ele diz que muito pouco do que é vendido em um supermercado é, realmente, comida. Na dúvida, ele propõe o seguinte método questionador: “Sua avó chamaria isso de comida?”

Claro que, depois de todo esse papo sobre comida, é chegada a hora do almoço. E que lugar melhor do que aquele muquifo escondido atrás da lojinha de temperos e das barracas de bugigangas, bem longe do centro histórico e do centro atual? O Prato Feito sai por R$ 10, vem com arroz, feijão e macarrão (todos no mesmo prato, um desafio). Hoje resolvi ter coragem de pedir o peixe frito. E assim ele chegou, o peixe (inteiro), frito. Olhei, olhei, olhei. Como começo a comer isso? Descobri que não foi da maneira que tentei, os espinhos em minha boca deixaram  isso bem claro. Conheci então o padrão da espinha e fui, lentamente, aprendendo a garimpar a carne entre a pele e os ossos. Feito isso, delicioso.

Você sabe que está em um lugar incomum quando um hippie, desses que vêm a Parati para vender seu artesanato, senta ao seu lado e quando você menos espera, você e ele já estão em uma animada conversa. A energia de Parati, a dificuldade de se ganhar a vida em SP, os males de se viver para o dinheiro (em vez de usar o dinheiro, quanto ele seja, para viver).  Tudo isso aos sons e imagens daquela aterrorizante, violenta e macabra peça de entretenimento (pois acho que a informação já se foi faz tempo) chamada Jornal da Tarde na televisão.

Essa é a FLIP: sentar para comer algo ou só tomar um café pode se transformar em uma interessantíssima conversa com gente que você nem espera (mas calma! Isso acontece de novo alguns dias depois e é, também, quase inacreditável).

Minha barba. Minha vida.