Assim como o Carnaval, o futebol é uma expressão popular descentralizada, que coloca em evidência o coletivo em detrimento do indivíduo e põe o megafone na voz do brasileiro comum.

Por muito tempo, o Brasil foi visto com orgulho como o país do futebol, o país do samba e outras características populares, mas, com o passar das gerações, percebe-se um fenômeno de substituição do futebol e do samba como alcunhas nacionais por questões mais contemporâneas e padronizadas internacionalmente.

Até aí nenhum problema, certo?
Bom, não.

Com “Defender o Neymar é defender a cultura popular nacional”, tentarei levantar alguns pontos que fazem um contraponto social e geográfico às críticas sobre o futebol brasileiro e, por tabela, às tradições de um país economicamente atrasado.

Como estamos só nós dois participando dessa conversa, me permito opinar sobre uma preocupante movimentação cultural a respeito do futebol: o crescente interesse imperialista no esporte mais tradicional, capitalizando e transformando o que era uma forma de expressão popular em negócio.

Quando chegou ao Brasil trazido pelos ingleses, era um jogo altamente elitista, mas foi a partir dos negros e trabalhadores que se tornou o braço forte de uma cultura de resistência, tornando-se paixão nacional e mostrando que aqueles que não tinham voz na sociedade possuíam um novo local para serem ouvidos: dentro dos campos.

Quando digo “interesse imperialista no esporte mais tradicional”, me refiro ao fato do futebol não ser só um braço popular aqui no Brasil, mas por ter dado aos países e povos explorados a chance de derrotarem, pelo menos em algum lugar, suas metrópoles. A manchete “Gana derrota a Inglaterra” não poderia ser vista em algum contexto se não o de uma Copa do Mundo.

Mas, trazendo de volta ao Brasil, o ataque estrangeiro ao nosso futebol – que já se infiltrou, também, nas opiniões dos próprios brasileiros – surge de forma muito bem estruturada: o enaltecimento do tiki-taka com o argumento de que é um falso metagame do novo futebol é uma ofensiva declarada ao estilo de jogo dos países do eixo-sul. Colocar posse de bola e jogadas algorítmicas à frente do drible e da finta, que dão alegria aos torcedores, representa um avanço ao bonito estilo dos brasileiros de jogarem o futebol que conhecemos.

O resultado dessa maçante ofensiva é o que vemos: o Brasil, conhecido internacionalmente como o país do futebol, tem sido ensinado a não se reconhecer mais como o país do esporte que colocou em evidência as culturas populares enraizadas de uma Nação.

O complexo de vira-lata, descrito por Nelson Rodrigues como a baixa autoestima do povo brasileiro consigo mesmo, é recorrente nas Copas do Mundo. O que sempre foi festa virou, para alguns setores, descrença ou algo ainda pior: torcida para outras seleções.

Neymar, o maior jogador brasileiro da atualidade, foi reconhecido pelo francês de origem argelina Zinedine Zidane como “capaz de fazer coisas que nenhum outro jogador consegue fazer” com a bola nos pés. Neymar é o rosto do futebol nacional e alvo de críticas de todos os campos possíveis: esportivos, técnicos, morais e éticos.

Dando prosseguimento à nossa conversa privada, já que não tem ninguém mais lendo, vou te revelar uma crença mais profunda: atacar Neymar é crucial para sobrepor o futebol lucrativo ao futebol arte, divertido e revolucionário. As vozes midiáticas ecoam os dizeres estrangeiros, fazendo com que as críticas extra-campo ao adulto Ney, que trará a Copa de 2022 pra casa, cumpra o mesmo papel de divulgar o futebol anti-popular – que deveria ser defendido como patrimônio nacional.

Não me entenda a mal, isso não é um manifesto sobre a santidade da figura de Neymar Jr. Ele deve, sim, sofrer críticas pelo seu desempenho em campo, como futebolista profissional, já que buscou uma profissão pública. O que importa, nesse caso, não são suas opiniões políticas, mas o papel de resistência aos abusos dos que já detêm o poder em suas mãos que ele desempenha.

(A maior prova disso foi o fato de ter levado cartão amarelo, algumas vezes, por ter tido a audácia de driblar um jogador.)

Defender Neymar é defender o futebol nacional, sendo este, por sua vez, um pilar de resistência daqueles que têm suas vozes caladas contra o sistema.

Mas, depois de tudo isso, você ainda pode pensar: “Mas por que eu defenderia um esporte como algo importante?” Caso este tenha sido o seu caso, deixo aqui um trecho da música “Vocês mataram a paixão”, cantada pela torcida do Raja Casablanca em protesto contra o governo do Marrocos.

“Neste país temos uma vida miserável
Estamos pedindo paz
Que Deus nos ajude!

Eles (governo) nos matam com drogas
E nos deixam órfãos
Vamos nos vingar no dia do julgamento.

Vocês (governo) acabaram com jovens talentosos
E com drogas vocês os destruíram
Como você quer que eles cresçam?

Vocês venderam toda a riqueza do país
Vocês deram para os estrangeiros
E reprimiram toda uma geração.

Vocês mataram a paixão!
E vocês começaram a provocação (contra a torcida)
Vocês mataram a paixão!
E vocês começaram a provocação.

Vocês inventaram a lei do medo (contra as torcidas)
E a aplicaram em nós
Queriam nos controlar através dela
.

Por causa de sinalizadores nos julgaram injustamente
E proibiram mosaicos
Vocês sempre lutaram contra as torcidas
.

Vocês fazem acusações falsas contra os nossos jovens
Esqueceram quantas vezes nos aplaudiram?
E agora nos prendem por meses.

Vocês arruinaram a vida de membros da torcida,
Seu trabalho e seus estudos
Porque vocês não entenderam o que é a paixão.

Família, me perdoe.
Sobre mim, as críticas são constantes.
Estou farto das acusações!
Apenas me entenda!

“Você está perdendo sua vida com esse time”
“Olha o dinheiro que você gasta nisso”
“E você nunca larga disso”

Meu querido, me entenda!
Por que você quer me separar
Do Raja que me conforta?

Está é minha última palavra!
Escrevo do meu coração 
E com lágrima nos olhos.”

Contando algumas histórias nas minhas próprias contradições.