Em 2020, a Netflix lançou a série “Emily in Paris”, criada por ninguém menos que Darren Star, muito conhecido por seus antigos trabalhos como “Beverly Hills, 90210” e “Sex in the City.” 

Com a estética parisiense, Lily Collins e um figurino que prometia fazer história era de se esperar que a série fosse um grande sucesso na Netflix, ainda mais considerando a abstinência que fãs de Gossip Girl estavam antes do anúncio do reboot. Era como um sonho para todos que amam ver os problemas de jovens adultos ricos e inconsequentes em hd.


A série tinha como objetivo contar a história de Emily, uma americana que se muda para Paris em busca de uma oportunidade de trabalho inusitada. A produção prometia retratar com humor a vivência de uma mulher americana no cenário francês, tendo que administrar sua carreira, fazer novas amizades e ainda por cima lidar com a catástrofe que é sua vida amorosa. A receita do sucesso para uma série de qualidade mediana altamente amada pelo público.

Antes de tudo é importante ressaltar que cinema é sobre escape. Muitas vezes estereótipos são ótimos para construir histórias simples e efetivas. Séries e filmes muitas vezes se tornam um grande “conforto”para o telespectador e esse sentimento vai muito além de um grande roteiro. 

Mas “Emily in Paris” simplesmente é ofensivo. Simples assim.

Antes de começar a comentar sobre todos os reais problemas dessa série, vale dizer que a mídia internacional, principalmente a francesa, acabou com a série de todas as maneiras possíveis e a palavra mais usada para definir “Emily in Paris” foi vergonhoso. 

A série vendida como um tributo à cultura francesa acabou em um tom de ofensa e deboche que chocou uma grande parte das pessoas que assistiram.

O primeiro problema é que Emily é contratada por uma empresa francesa para trazer uma perspectiva “mais americana” para a área de marketing. E pasmem, uma jovem adulta com nenhuma real experiência de mercado, e que sequer fala a língua do país em que está indo trabalhar, é um gênio do marketing e a nova ascensão da empresa onde trabalha .

Na série, os franceses são tratados como ” tolos”, extremamente sexuais, malvados, preguiçosos, e ainda por cima pessoas naturalmente grossas que secretamente admiram muito todos os americanos. Isso se torna ainda mais preocupante em uma cena que um dos colegas de trabalho de Emily diz que eles eram rudes com ela porque seu modo de pensar era simplesmente único e isso os intimidava. Sim, isso aconteceu. 

Outra questão preocupante é que literalmente as únicas pessoas que eram gentis ou minimamente educadas com a Emily eram homens que queriam apenas transar com ela. Não, eu como redatora não usarei esse momento de abertura para falar sobre o “romance” na série porque é um assunto simplesmente triste.

A cidade inteira é como Ratatouille“. Como eu amo essa pérola. Honestamente não sei que roteirista deixou isso passar mas ratatouille é um prato e acharam uma excelente ideia colocar a protagonista pra falar isso enquanto gravava a belíssima vista de Paris.

Esse tipo de idiotice até poderia ser perdoada num contexto satírico bem feito mas a produção é tão inofensiva e preguiçosa que mesmo ela sendo uma pessoa totalmente fora da realidade retratada na série, é possível ver o quão mal feito é a representação europeia em “Emily in Paris“.

No ano de 2020 ver uma Netflix perpetuando o estereótipo de higiene francesa é preocupante, principalmente porque esse é o conceito mais conhecido e disseminado entre as pessoas. Por anos os Franceses foram e continuam sendo conhecidos pela fama de serem pouco higiênicos na sua rotina diária. Inclusive, tem uma cena em que um homem decide não tomar banho após ter relações sexuais com a personagem principal porque “não queria que o cheiro dela fosse embora tão cedo“.

Emily In Paris” exalta esse estereótipo francês equivocadamente taxando seus personagens de mal cuidados,e ainda por cima, faz questão de demonstrar o estranhamento da personagem com isso.

Outro fator é que “Emily in Paris” foi muito vista pela crítica como uma produção racista, haja visto que Paris é uma das cidades mais diversificadas do mundo e a série tem apenas dois personagens não brancos, ambos extremamente irrelevantes para a história.

Tirando um segundo para destacar a Mandy, uma personagem asiática escrita por roteiristas brancos e colocada para dizer frases apenas de conotação racista, xenofóbica, rude ou sexual. 

Considerando que isso é apenas um resumo do péssimo trabalho que a Netflix fez com “Emily in Paris”, acho que é necessário falar que mesmo tendo Lily Collins no papel  – uma ótima atriz na minha opinião – é impossível salvar a personagem principal.

Emily é simplesmente uma das piores protagonistas: ela é orgulhosa, desrespeitosa, metida e honestamente uma péssima pessoa. A questão é que a personagem foi simplesmente mal escrita porque muitos personagens com essas mesmas características são super amadas pelo público, como por exemplo o Loki na Marvel, a Blair de Gossip Girl e até mesmo Evelyn Hugo, a personagem principal extremamente amada do best-seller “Os sete maridos de Evelyn Hugo“.

Eu já comentei que a personagem faz sexo com um menino menor de idade na série?

A pior parte é que os roteiristas realmente acreditaram que estavam escrevendo uma personagem carismática que seria capaz de encantar todos em apenas 10 episódios. É incrível como ninguém da produção foi capaz de ver que Emily foi construída para ser detestada e, ainda assim, o rumo da série mostra que eles realmente achavam que nós estaríamos torcendo muito por ela ao final do décimo episódio.

Para completar o desastre que foi a série humorística que conseguiu ofender um país inteiro sem fazer uma piada decente, “Emily in Paris” foi renovada para uma segunda temporada. Enquanto isso, séries extremamente bem trabalhadas como “I’m not okay with this” e “Sense8” são canceladas. É triste pensar que, com apenas 50% de aprovação no Rotten Tomatoes e uma lista incontável de problemas,  “Emily in Paris” ganhou uma segunda temporada, porque, no final do dia, apesar de tudo, as pessoas assistiram, ignoraram muitos dos problemas e algumas ainda gostaram.