Um dos países com a história recordada mais antiga do mundo, lar de alguns dos melhores poetas e de prédios capazes de tirar o fôlego de qualquer entusiasta das artes. Apesar dos recentes episódios de violência e opressão, o Irã é um dos países mais belos do mundo e vai muito além das imagens de jornais e reportagens, também sendo uma das pátrias que mais exportaram obras de arte ao mundo.

Se eu te falasse que o cinema iraniano é um dos mais artísticos e mais profundos movimentos cinematográficos do mundo, você acreditaria? Que mesmo por trás de toda a opressão do governo “extremista” e das manchetes que retratam o país como uma ameaça aos direitos humanos e a paz mundial, existem filmes tão delicados e sensíveis que podem mudar a sua percepção de vida.

Para começar, “Where Is The Friend ‘s Home”, parte de uma premissa simples e sutil, na qual o protagonista Ahmad precisa devolver o caderno escolar de seu amigo Mohamed, que já está encrencado com o professor da escola.

A responsabilidade de Ahmed é colocada em cheque devido aos acontecimentos do filme e, ainda que pareça uma história simples e infantil, há muitas outras camadas que conversam diretamente com a cultura local e a necessidade de amadurecimento precoce. 

Em questões estéticas, o filme é um dos melhores exemplos de como retratar todas essas camadas por meio de uma câmera, com enquadramentos belos mas que, na maioria das vezes, querem dizer muito mais do que apenas aquilo que vemos na tela. E essa abordagem nos leva a ver um Irã muito diferente daquela imagem construída no imaginário popular.

Where Is the Friend’s House? (Abbas Kiarostami, 1987)

Até onde você iria para salvar alguém que ama? Essa é a principal questão de “A Time for Drunken Horses” (2000), o primeiro longa-metragem dirigido por Bahman Ghobadi. O filme acompanha Ayoub, um menino de 12 anos que acaba de se tornar o responsável por seu irmão mais novo Madi, uma criança com deficiência e que precisa de uma operação para continuar a viver.

A família de Ayoub vive em um vilarejo nas montanhas iranianas cobertas de neve e que fazem fronteira com o Iraque, trazendo toda uma camada de insegurança e violência para seus lares após a morte de seus pais na divisa entre os dois países.

A criança, agora encarregada do fardo de um adulto, precisa pensar em como prover por toda sua família, alimentar seus irmãos e a si mesmo, em um período conturbado e perigoso em um dos mais isolados lugares do mundo. 

O filme é a história da sobrevivência do amor, que mesmo nas condições mais difíceis e desumanas, nunca abandona os corações de Ayoub e Madi. O filme, interpretado por crianças sem qualquer profissionalização, mostra uma face sincera de seu povo e região e, mais importante, mostra, também, que há amor e bondade até mesmo nos lugares mais escondidos.

Time for Drunken Horses (Bahman Ghobadi, 2000)

Eu até tentei não usar o clichê, mas não seria uma lista digna se deixasse de lado “Close-Up” (1990), que é uma mistura de ficção e documentário sobre a vida de Hossain Sabzian, um homem que finge ser um consagrado diretor de cinema para obter vantagens sobre uma família rica e influente do país. Abbas Kiarostami, soube da história enquanto Hossain ia a julgamento por seus crimes e decidiu gravar todo o processo na época.

O diferencial do filme é que sua parte ficcional é interpretada pelas mesmas pessoas da vida real; Hossain vive ele mesmo durante os 98 minutos de filme, assim como a família que ele acabou por enganar. E mesmo com essa ausência de profissionalismo na atuação, o filme acaba por mostrar o quão importante é a entrega dos atores e sua própria vivência para interpretar qualquer personagem.

O longa por si só é uma viagem metalinguística sobre um diretor, um filme, um país e o poder das palavras, unindo a realidade a ficção de uma maneira que nunca vi igual.

Close-Up ( Abbas Kiarostami, 1990)

O cinema iraniano é emocionante, com sutileza e atenção aos detalhes que ajudam a construir toda uma narrativa muito além daquilo que é possível enxergar nas telas, mas que está presente na cultura, ainda que nosso filtro midiático não nos permita enxergar. Uma cultura antiga, e que consegue ser moderna e rica no cinema.