“As pessoas vinculam loucura à maldade e racionalidade à bondade. Segundo estatísticas, doze por cento das pessoas ditas normais são criminosas, assassinas ou perigosas. Enquanto isso, só três por cento das pessoas ditas loucas têm potencial ofensivo considerável. Isso significa que normais matam muito mais que loucos. Se no mundo houvesse mais loucos, haveria menos violência.”
O que você faria se fosse jovem e do dia pra noite acabasse endividado, longe de casa e perdido na vida? O livro “Jantar Secreto” do autor nacional Raphael Montes conta a história de Dante e seus amigos, Miguel, Hugo e Leitão que, para sair do buraco, optam por uma estratégia um tanto quanto incomum para conseguir o dinheiro e pagar os R$25 mil reais que devem à imobiliária.
É a partir desta premissa e de uma construção extremamente bem feita de personagens dolorosamente reais e horrendos que você vai conhecer a equipe carne de gaivota. Nessa experiência de leitura única, Raphael Montes nos fez assistir de perto a ganância e o medo devorarem índole de cada um de seus personagens fazendo com que até o mais forte dos leitores arrepie.
Para entender essa incrível história de terror nacional, você primeiro precisa ouvir o enigma da carne de gaivota:
“Um sujeito estava andando pela rua quando deparou com um restaurante que vendia carne de gaivota. Pediu a carne, comeu, foi para casa e se matou. Por quê?”.
Um dia, muitos anos antes do ocorrido, o grupo de amigos se vê tentando decifrar este enigma. Depois de muito tempo, descobrem que o sujeito é viúvo/ que a mulher dele morreu em um acidente de avião/ que ele também estava na aeronave na hora do acidente/ que os sobreviventes foram parar numa ilha deserta sem comida/ que o corpo da mulher desapareceu na queda/ que os sobreviventes ofereceram carne de gaivota ao sujeito/ que ele comeu e gostou/ que ele sobreviveu até o resgate comendo carne de gaivota, e, por isso, decidiu provar a do restaurante, e que, ao provar, ele percebeu que o que tinha comido na ilha anos antes não era carne de gaivota, mas a carne da própria mulher.
Este enigma foi o começo do que depois viraria um gigantesco esquema de crimes, contrabando de corpos, matadouros clandestinos, política corrupta e seres humanos corrompidos.
“O que não sai da minha cabeça não é a morte da mulher do sujeito, nem o fato de ele ter jantado a coitada achando que era carne de gaivota, nem de ter se matado por isso. O que me fascina é que o marido comeu carne humana sem saber. E mais: gostou […]“
Como 4 jovens deixaram uma pequena cidade no Paraná e se aliaram a uma garota de programa e um político falido para fazer jantares com carne humana para a elite do Rio de Janeiro 3x por semana… Sinto muito, mas você vai ter ler o livro para descobrir.
É importante ressaltar o quão genial o livro é, já que toda narrativa é construída como uma espiral que conduz o leitor cada vez mais para baixo de uma maneira suave e extremamente perigosa.
Sim, você pode sair desse livro com a certeza de que o mínimo que pode fazer agora é ser vegetariano; eu posso afirmar que se eu ainda comesse carne seria depois dessa leitura que eu pararia. Ainda assim o livro injeta adrenalina a todo segundo e é impossível parar de ler.
Raphel Montes escreve como ninguém fazendo do horror e do medo muito mais que espíritos e serial killers. O autor constrói uma narrativa agonizante nos pequenos detalhes, na sutil maldade humana de todo dia que escala para algo fora de controle.
Esse livro é sobre você. Esse livro é sobre a sociedade e a hipocrisia que todo dia você ajuda a construir. “Jantar secreto” foi escrito para falar sobre nossa convivência na sociedade de consumo e sobre nossas falhas humanas que se tornam vulneráveis nos momentos de aperto. Esse é o grande brilho de ler uma história sobre “canibalismo gourmet”: descobrir que essa situação tão fora do comum esconde segredos cruéis sobre você.
“Essa é a mesma ignorância que faz com que você não mate um bicho, mas coma a carne dele disponível no mercado. A gente vive com uma dieta inconsciente suavizada pelo sabor […]
“A beleza sempre ocorre no particular, enquanto a crueldade prefere a abstração.”
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