A ideia de viagem já carrega em si mesma o sentido de descoberta, de caminho para o novo, o inusitado, o inesperado. Dobra-se a intensidade da viagem, quando ela aponta para os caminhos da Arte. A viagem pelo universo artístico, incorpora ao próprio deslocamento físico e geográfico, o prazer infinito e a empolgação gerada pelo encontro com o estético. Isto me faz lembrar de uma frase brilhante de Nietzsche que se tornou emblemática para mim: “Apenas como fenômeno estético estão eternamente justificados o mundo e a existência”.

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Na Bienal de Veneza tive alguns encontros estéticos marcantes. A instalação “Speculating on the Blue” da artista Flaka Haliti, representante da República de Kosovo foi um destes momentos. Trata-se de um espaço totalmente tomado por uma areia azul no qual habitam enormes elementos escultóricos de ferro, que convidam o espectador a produzir possíveis analogias de sentido. O espaço, por si só, já possui um encantamento de cor e forma que nos coloca como usuários desta poética geografia. Mas uma surpresa quebra a nossa contemplação: a variação de luz, que vai, aos poucos, modificando e alterando os tons de azul, chegando até a dar a sensação de que o chão de areia desapareceu e as esculturas pairam no ar; a luz vai diminuindo até atingir a total escuridão. Nossa cegueira momentânea nos distancia do tempo-espaço vividos para, logo em seguida, nos trazer de volta para o aqui e agora sugeridos pela obra, quando a iluminação volta a dominar o espaço. Estamos diante de um belo e intrigante paradoxo: Luz e Trevas. Onde termina um e começo o outro?

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Não podemos esquecer que este tipo de obra, carregada de índices simbólicos, sugere uma pluralidade de possíveis significações e cabe a cada observador a sua produção de sentido para aquilo que vê e sente. Assim, uma leitura mais provocativa e política da instalação de Haliti, nos coloca diante da própria história da República de Kosovo, apontando para a tríade democracia, liberdade e mobilidade. A beleza frágil da areia azul, ocupada pelas agressivas esculturas de ferro, poeticamente sugere a delimitação do espaço, a ocupação e quebra da leveza de uma geografia ocupada por elementos estranhos a ela.

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Fiquei um bom tempo contemplando aqueles azuis que invadiam a minha percepção. Minha conclusão: Arte era o que estava acontecendo comigo naquele instante em que o mundo me parecia inédito e admirável: uma zona de luz a habitar a escuridão.

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João Carlos Gonçalves (Joca)

Doutor em Linguagem e Educação pela USP; Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor de Fundamentos da Comunicação e Semiótica Aplicada na ESPM.

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