Ataque dos cães, apesar de ser um faroeste dramático, é muito mais contemporâneo do que seu gênero pode sugerir. O filme, dirigido por Jane Campion, brinca com o espectador desde questões mais superficiais, como o gênero do filme e o elenco conhecido, até fatores mais velados como a homofobia em detrimento da masculinidade forte e o jogo de inocência entre as relações interpessoais.

Campion nos faz voltar ao clássico western mas sem trazer uma narrativa desgastada, com estereótipos de cowboys infalíveis, duelos com pistolas e a imagem imutável de Clint Eastwood. Ao contrário disso, a diretora e roteirista faz do clássico faroeste uma nova narrativa, trazendo entre linhas todo o complexo por trás da imagem do cowboy garanhão e nos lembrando do que os homens são capazes de fazer para alcançarem seus desejos.

Como primeira impressão, foi muito satisfatório ver o retorno de Benedict Cumberbatch atuando em um personagem mais sério e complexo. Durante o filme, Cumberbatch perdeu sua figura de ator e se tornou completamente o personagem prometido. Isso sem contar com a participação de Kirsten Dunst, nossa eterna Mary Jane, e o mediador da narrativa Kodi Smit-McPhee. Apesar de muitos alegarem que Phil Burbank (Cumberbatch) é o protagonista, no final fica claro que foi Peter (personagem de Kodi) quem moveu toda a história, nos fazendo confiar e nos apegar a uma pessoa que no final nos choca ao mostrar sua verdadeira faceta.

A narrativa é traiçoeira justamente por brincar com esses estereótipos. No filme, Phil aparenta ser a figura clássica do cowboy, sendo um homem destemido e respeitado. Mas sua característica mais forte que passa despercebida entre todos, de tão banal e incrustada que já está em nossas mentes, é o fato de Phil ser um homem viril. Derivado do latim virilis, virilidade refere-se a qualquer das características masculinas associadas positivamente ao vigor, saúde e robustez. E são exatamente esses traços que caracterizavam Phil ao bater os olhos nele.

Já Peter é o oposto dessa imagem, sendo um jovem tranquilo, inteligente, solitário, e às vezes até mesmo visto como vítima. Ele é o tipo de jovem antissocial, que não consegue se encaixar em um grupo de amigos, ainda mora com a mãe, faz flores de papel, e é sofrido devido a morte de seu pai. Em outras palavras, Peter é apresentado como o típico jovem frágil e fraco.

Porém, é exatamente sobre essa armadilha de aparências que faz o filme ser tão cativante. Apesar da narrativa usar muito da impressão que temos dos personagens para nos fazer montar uma perspectiva, na verdade mais importante do que isso é o que não está sendo mostrado nas telas, é tudo aquilo que só existe no momento em que cada um tira uma conclusão própria sobre os personagens.

Enfim, a moral do filme nos lembra do velho ditado de não julgar um livro pela capa porque as aparências enganam. Campion foi mestre em enganar todos os espectadores quando a verdade estava escancarada na tela, nos personagens, nas suas falas, ações, suspiros e simples trocas de olhares.