No último dia 18, foi publicado um texto excelente de Drauzio Varella, chamado “O sexo redefinido”.

Desde sua perspectiva médica, ele discutia pesquisas atuais sobre aspectos genéticos da definição de gênero. Nelas, a separação absoluta entre o gênero masculino e feminino se mostram equivocadas. Remeto o leitor ao texto original.

Sendo psicanalista, a informação não é nova: há mais de cem anos falamos sobre a indefinição de gênero natural e a distinção entre gênero genético e identidade sexual.

Considerei o texto muito relevante por vir de uma perspectiva biológica a desconstrução de uma posição tão comum entre nós- mesmo no meio universitário: a tentativa de redução da sexualidade humana a uma dimensão instintiva, de reprodução da espécie. Assim, existiriam características naturais e universais no desejo masculino e feminino que dirigiriam o desejo aos melhores parceiros reprodutivos. O artigo de Varella vem ao encontro do que sabemos há tempos na psicanálise: existe com relação à sexualidade uma variedade muito grande de formas e expressões, sendo simplesmente tolo se falar em uma natureza ou essência masculina ou feminina, ou numa forma natural e saudável de se viver a sexualidade.

É uma velha mania do século XIX que persiste entre nós. Com a decadência do poder da religião para regular a vida moral das pessoas, velhos valores repressores do prazer passaram a se esconder num mau uso da ciência. Onde estava o “pecado”, colocou-se o “faz mal para a saúde”; onde estava “Deus mandou”, colocou-se “é natural e instintivo”.

Além disso, como diz o amigo professor João Matta, com a redução do comportamento à dimensão biológica e natural, joga-se fora tudo o que sabemos sobre a dimensão social, histórica e simbólica do Homem.

Quem defende a ideia de uma natureza sexual dirigida à reprodução simplesmente ignora a realidade das variedades do desejo e sua implicação no campo da fantasia, certamente não dirigidas à reprodução. Basta conhecer um pouco mais de perto a vida íntima das pessoas. Não me refiro sequer à variedade de identidades de gênero, mas penso em algo mais trivial.

Mesmo sob o nome de ‘heterossexuais’ reúnem-se pessoas que desejam e vivem sua sexualidade de formas absolutamente diferentes. Da mesma maneira, numa mesma pessoa o desejo sexual se manifesta de formas distintas ao longo da vida. Da infância à velhice, para bastante aquém e além da idade reprodutiva.

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Pedro de Santi

Psicanalista, doutor em psicologia clínica e mestre em filosofia. Professor e Líder da área de Comunicação e Artes da ESPM.

   

 

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