Você provavelmente deve ter percebido a força que o movimento #StopAsianHate tem ganhado nas redes sociais nas últimas semanas. Isso acontece porque, desde o início da pandemia em Março de 2020, houve um aumento descomunal de abuso e violência contra pessoas de ascendência asiática ao redor do mundo. Esse grupo é vítima de casos crescentes de racismo e xenofobia, direcionados principalmente a idosos. De cuspidas e assédio verbal a incidentes de agressão física, houve milhares de casos relatados nos últimos meses. Esses crimes de ódio, em sua maioria, estão relacionados à retórica ignorante que culpa os asiáticos pela disseminação do coronavírus.
Mas o que um movimento social tem a ver com entretenimento? Como o tema se encaixa quando estamos falando de cinema?
Quando as pessoas se deparam com algo que não conhecem ou entendem, elas tendem a estranhar, excluir e, como nos casos mencionados acima, até agredir. Por isso é importante que estejamos sempre buscando conhecer sobre outras realidades, costumes e culturas. Precisamos cortar os laços entre a desinformação e o ódio que prolonga atitudes ignorantes ainda mais em momentos críticos como o que estamos vivenciando agora. E a melhor forma de combater isso é através do conhecimento. Conhecimento esse que pode vir de diversos lugares diferentes, inclusive dos filmes que você costuma assistir em casa, quando está buscando algum outro passatempo para tirar a cabeça dos estudos.
“A Despedida” é um longa-metragem de 2019 extremamente relevante nessas horas. Dirigido por Lulu Wang, o filme conta a história de uma família chinesa que descobre que sua matriarca, a doce vovó Nai-Nai, tem apenas algumas semanas restantes de vida. Coletivamente, os familiares decidem não contar para Nai-Nai sobre o diagnóstico, porque acreditam que “O que mata não é o câncer, mas o medo”. Sendo assim, para assegurar a felicidade da matriarca, todos se reúnem sob o pretexto de um casamento às pressas, para se despedir propriamente sem que ela suspeite.
Evitar qualquer discussão sobre a morte é comum na China – para poupar seus parentes mais velhos, e todos ao seu redor, do trauma de ouvir más notícias médicas. Mas para Billi (Awkwafina), o plano é uma fraude e ela não consegue acreditar que seus pais estão ajudando a perpetrar. Wang coloca o público no lugar de Billi e, por extensão, no seu próprio. Mas a obra não é uma história sobre como o ponto de vista de Billi é o correto ou não; o filme retrata cuidadosamente o pensamento de cada parente, tecendo uma tapeçaria empática de uma família que se espalhou pelo mundo.
A obra é uma homenagem delicada e bem-humorada sobre os momentos mais difíceis que alguém pode enfrentar e usa tradições como essa para refletir sobre o que nos torna humanos, o que molda nosso senso de moralidade e como esses códigos podem variar mesmo dentro de uma família imediata. O filme em si é um trabalho obviamente pessoal de Wang, “baseado em uma mentira real” (como o subtítulo proclama) que ela e seus parentes contaram à avó. Não falhando em momento algum em nos faz rir tanto quanto chorar, do início aos créditos finais.
“A Despedida” não é o primeiro, nem o último e muito menos o único filme que pode nos ensinar mais sobre a cultura asiática e ainda nos emocionar no meio do caminho, mas é onde você pode começar. Existe um escopo enorme de criadores fantásticos do Pacífico, para todos os gostos e desgostos; você pode explorar desde as animações extraordinárias do Hayao Miyazaki para o Studio Ghibli, quanto os sonhos alucinantes de Akira Kurosawa ou até o fantástico rotineiro de Wong Kar Wai, dentre muitos outros que eu poderia nomear aqui.
Afinal, a melhor maneira de combater a ignorância crescente sempre foi e ainda é pelo conhecimento, curiosidade e disposição de não se fechar em uma caixa categorizada de interesses restritos. Cabe a nós mesmos mudar e incentivar quem conhecemos a mudar junto conosco – e essa revolução pode começar com um play.
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