Fabinho cresceu vendo seu pai com um rádio a pilha colado ao seu ouvido, ora tenso e taciturno, ora eufórico, olhar congelado no nada, vibrando com punhos cerrados, musculatura rígida, movimentos contidos até que explodia saltando da cadeira, corria para a janela, gritava algo até ficar roxo e corria para abraçá-lo no meio da sala. Fabinho sabia que seu time havia feito um gol. Às vezes, a história acontecia diferente: seu pai ficava com o rádio colado ao ouvido sem se mexer, suas pálpebras baixavam aos poucos, até que seu pai mexia no rádio, o deixava de lado, cabisbaixo, e ia tratar de seu canarinho na gaiola, para quem olhava o dia inteiro. Tudo sempre em silêncio. Fabinho nasceu sem o dom da audição.

                Quantas vezes seu Odair chegava eufórico para buscá-lo na escola, trajando a camiseta de seu time, corria para o carro, mexia no rádio, dirigia tenso, olhar fixo no horizonte, passava a mão tenso em sua cabeça, apertava o volante com ambas as mãos, até que começava a bater forte no volante, pressionando a buzina com força, baixando o vidro e gritando para os outros carros.

                Fabinho cresceu e passou a assistir aos jogos com seu pai pela televisão. Aprendeu sobre futebol, conheceu as regras, os times, os rivais e a dividir a torcida com seu pai. Sempre que saía gol de seu time, seu pai corria para a janela, abria com força e gritava para o prédio da frente até cansar. Fabinho gostava mesmo de ver as cenas em que aparecia a torcida pulando e vibrando com os gols no estádio. Pediu para seu pai para ver jogo no estádio; ele o levou apenas uma vez e foi suficiente para que Fabinho nunca mais deixasse de ir acompanhar seu time.

                Assistir jogos no estádio mudou a vida de Fabinho: sentava-se próximo à bateria para sentir a vibração dos instrumentos em seu peito; pulava abraçado aos colegas de torcida que gritavam por 90 minutos sem parar e amava sentir o cimento da arquibancada vibrando quando todos pulavam ao mesmo tempo. Os sinalizadores e fumaça com as cores de seu time formavam um espetáculo à parte. Vibrou muito no estádio por anos.

                O futebol moderno trouxe as arenas multiuso, eliminou as danças da torcida, os sinalizadores, a fumaça colorida e as frestas espaçadas no concreto de seu estádio. Começou a ver mais jogos em casa, junto ao seu pai, já idoso e mais calado. Acontecia a Copa no Brasil e Fabinho não foi a nenhum jogo no estádio para cuidar de seu pai. A semifinal entre Brasil e Alemanha prometia bastante; pai e filho estavam tensos quando o jogo começou. Com poucos minutos de uma partida tensa, a energia elétrica em sua casa acabou. Seu pai apontou para seu criado mudo e Fabinho pegou seu radinho de pilha.  

               A tarde caiu, Fabinho acendeu velas e assistiu ao jogo como em sua infância: observando os gestos de seu pai. Seo Odair estava mais tenso que o habitual: escutava encurvado, mão segurando o peito até que fechou os olhos com dor. Fabinho sabia que havia sido gol da Alemanha. Segurou a mão de seu pai e sorriu com delicadeza. Ficaram sentados, seu pai com o radinho colado ao ouvido e um olhar triste. Após um tempo, seu pai desligou o radinho mais cedo, se apoiou no braço de Fabinho e foram até a sala. Olharam para a pequena gaiola vazia: o canarinho morrera naquela tarde. Nem mais um pio.