O que mais te impressiona na música? Existem muitos pontos que podem impressionar: a melodia, a produção, a história sendo contada pela letra, entre muitos outros pontos. Eu sou meio suspeita, já que tudo me encanta, mas uma coisa que, com certeza, faz eu me apaixonar ainda mais pelo que eu estou escutando é quando artistas usam referências externas para compor as próprias canções, seja em samples, na produção ou na letra.

Um tipo de referência comumente utilizado por artistas é a utilização de referências literárias nas letras. A música brasileira é rica nesse recurso. Um primeiro exemplo é a música Monte Castelo, interpretada por Legião Urbana. Nessa canção, a banda usou como referência o soneto 11 do livro “Os Lusíadas” de Camões e também traz trechos do capítulo 13 de Coríntios, livro da Bíblia. É inegável a referência ao falar “O amor é o fogo que arde sem se ver/ É ferida que dói e não se sente/ É um contentamento descontente/ É dor que desatina sem doer” na canção.

Além desse, existem muitos outros exemplos. A banda Engenheiros do Hawaii faz referência a Dom Quixote na música “Dom Quixote”, Lenine e Ivan Santos citam Grande Sertão Veredas na canção “Amor é Pra Quem Ama”. Marisa Monte em “Amor I Love You” fez referência ao Primo Basílio em citação de Arnaldo Antunes, Os Paralamas do Sucesso citaram O Pequeno Príncipe em “Busca Vida”, entre muitos outros exemplos.

Isso não acontece somente no Brasil. Na música americana isso também é presente. Vou exemplificar com uma artista de exemplo que quem me conhece sabe que eu não poderia deixar de fora: Taylor Swift. É inegável que ela é uma das cantoras que mais usa referências em suas músicas. Em algumas músicas ela faz referências ao clássico Alice no País das Maravilhas.

Um exemplo é “Long Story Short” que diz “fell from the pedestal/ right down the rabbit hole” (Caí do pedestal/ direto para o buraco do coelho) fazendo referência a uma frase muito utilizada, mas que existe por referência ao filme citado. Outra música que carrega no nome esse filme como referência é “Wonderland” que também leva outras referências na letra como em “Didn’t you calm my fears with a Cheshire Cat smile?” (Você não acalmou meus medos com um sorriso de Gato Risonho”).

A música “Cardigan” tem um verso que diz “Tried to change the ending/ Peter losing Wendy” (Tentou mudar o final/ Peter perdendo Wendy), fazendo referência ao clássico de J. M. Barrie, Peter Pan.

Uma de suas músicas mais famosas se chama “Love Story”. Nela, a cantora conta a história a partir do ponto de vista de Julieta de Romeu e Julieta de William Shakespeare. A música feita em somente vinte minutos conta a história da dupla com um final feliz, em que os dois terminam juntos. Existem muitos outros exemplos, mas o último que vou dar é na música “Getaway Car”, em que a cantora cita Bonnie e Clyde além de contar uma história com muitas referências ao clássico americano. A mesma música começa com “It was the best of times the worst of crimes” (Aquele foi o melhor dos tempos e o pior dos crimes), modificando levemente a famosa frase de Charles Dickens “Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos”.

Outra cantora muito conhecida por essas referências é Lana Del Rey. Em sua música “Off To The Races”, ela faz referência ao livro Lolita na frase “Light of my life, fire of my loins” (Luz da minha, fogo dos meus lombos). Além disso, na música “Gods And Monsters”, ela diz “Life imitates art”, frase do livro The Decay of Lying de Oscar Wilde. Na música “Lust for Life” ela cita o poema Invictus ao falar “We’re the masters of our own fate, we’re the captains of our own souls” (“Somos donos de nosso próprio destino, capitães de nossas almas”).

Kendrick Lamar é outro artista que já usou literatura em suas músicas. A música “King Kunta”, uma das minhas favoritas dele e a mais escutada de seu incrível álbum “To Pimp a Butterfly”, cita o personagem Kunta do livro Roots de Alex Haley. Ao usar essa referência, o rapper se chama de rei e escravo ao mesmo tempo ao levarmos em consideração a história do livro. Além disso, a canção tem a frase “What ‘s The Yams?/ The Yams Is The Power That Be” que faz referência a duas peças diferentes de literatura: Invisible Man (1952) de Ralph Ellison em que os “yams” simbolizam as raízes e a autenticidade da cultura afro-americana; e no livro Things Fall Apart de Chinua Achebe eles simbolizam a fama e o poder.

A música “The Blacker The Berry” do mesmo álbum tem nome inspirado em um livro de 1928 de Wallace Thurman que conta a história de uma mulher preta que passa por discriminação feita por outras pessoas pretas, porém com a pele mais clara. Kendrick conta essa mesma história na música. Esses dois exemplos mostram que além de trazerem letras bonitas e rimas, as referências literárias trazem uma interpretação totalmente diferente para a música e, no caso de Kendrick, podem simbolizar e se referir a todo um movimento que ele deseja explicitar em seu álbum.

Os exemplos que eu trouxe mostram os diferentes objetivos do uso de literatura dentro da música. Seja nacional ou internacional, pode-se dizer que o principal é aproveitar a literatura para tornar a música mais poética e com mais credibilidade. As canções brasileiras citadas anteriormente utilizam referências clássicas nacionais, tornando-se praticamente universais. Existe também uma conexão maior entre quem escuta música e a própria quando se reconhece essa referência. Existem sentimentos atribuídos às memórias e, ao reconhecer os trechos de literatura esses sentimentos vão se despertando.

A ideia de que a música se torna universal é tão real que existem casos que vão se referenciar a música como “a que cita Lusíadas” ou nos leva a lembrar somente a parte da música em que a Taylor Swift fala da Wendy e do Peter, por exemplo.

Ademais, quem compõe músicas tem como trabalho contar histórias, sejam suas ou de outras pessoas. O trabalho como o de Taylor ao fazer a música “Love Story” revolucionou a maneira de contar histórias, fazendo isso em 4 minutos apenas escolhendo as palavras certas.

Pode-se dizer, portanto, que a literatura na música é um recurso usado por muitos artistas que só fazem com que as pessoas escutem mais as canções. É fato que, ao se conectar com a música, você acaba gostando mais dela; então essas histórias e referências acabam sendo essenciais para que mais pessoas escutem. Além disso, é uma ótima maneira de repercutir a arte por meio da arte.