Sinapse por Ramiro Gonçalez, 13/02/2010 às 12h55

Uma crise financeira é como um acidente de carro, só depois que acontece sabemos como poderíamos evitá-lo.

Acrescente-se a isso o fato desta crise parecer com uma derrapagem numa curva onde assistimos a tudo lentamente.

Um pouco antes da curva fica claro que deveríamos ter freado, reduzido a velocidade. Mas dentro da curva as ações são diferentes do que o raciocínio instintivo indica: não freie e não gire o volante na direção da curva (exatamente o oposto que todo mundo faz…)

O bom piloto cede à força centrípeta e gira o volante a favor da inércia e aos poucos reduz a velocidade (no câmbio). Isto permite retomar a aderência e fazer a curva.

A curva apresenta um paradoxo: no início da derrapagem devemos intensificar as condições que a geraram. Na crise é o mesmo: as condições que geraram a crise 2008 (juros baixos e liquidez) foram exacerbadas justamente para mitigar seus efeitos. É como dar água para afogado: o senso comum não o faria. Entretanto a analogia é outra: a água doce para quem foi salvo no mar, ajuda a baixar a concentração de sal no sangue.

No caso dos EUA Ben Bernanke – o presidente do BC  americano – e um dos maiores especialistas da crise de 29 sabia disso. Ele foi contundente: “Se precisarmos jogar dinheiro de helicóptero, isso será feito”. Quase foi necessário, mas felizmente o choque de liquidez recuperou o paciente.

No caso do Brasil foi gerada liquidez com várias ações: baixa de juros, redução dos compulsórios e queda de impostos. Mas é preciso uma boa gestão para saber retirar estes incentivos com prudência e na sequência correta.  Muita liquidez pode gerar inflação, pouca liquidez pode gerar desemprego.

Um pé no freio, o outro na embreagem e a mão no câmbio mudando as marchas. (Poderíamos também fazer uma analogia do câmbio do motor com o câmbio de moedas, mas aí seria tema para outro artigo).

Evidente que nem o melhor piloto do mundo consegue fazer uma curva se a velocidade de entrada for excessiva ou se a curva for negativa (o piso tem inclinação a favor da força centrípeta).  É nesse momento que os passageiros se perguntam: o piloto vai conseguir fazer a curva?

A metáfora guarda incríveis semelhanças com a crise atual:

1)      A velocidade de entrada foi acima do limite?

2)      O piso é inclinado a favor da curva, ou seja, as estruturas financeiras podem induzir uma nova crise?

3)      Temos um piloto suficientemente hábil para ceder e depois se opor à força centrípeta? Ou os responsáveis pelo sistema financeiro sabem o momento certo para reduzir os incentivos monetários (juros e emissão de moeda) e fiscais (redução de impostos)?

 

As respostas para estas perguntas não são definitivas, pois ainda não saímos da crise.

Para o Brasil podemos responder para as três questões (com um otimismo responsável) que:

a)      Estávamos perto do limite, mas não o superamos, principalmente no índice -crédito disponível / PIB – que estava na ordem de 40%;

b)      Estruturalmente estávamos com dívida interna e externa sobre controle, embora na pós-crise os déficits públicos aumentaram muito, principalmente com gastos correntes (salários e manutenção da máquina pública). Nosso sistema financeiro (nacional) é um dos mais sólidos no mudo e é referência para países como EUA e Inglaterra;

c)       As respostas fiscais e monetárias para a crise no Brasil foram responsáveis e não permitiram um aprofundamento da crise.

Entretanto o Brasil não é uma ilha e as surpresas que aparecem mês a mês no exterior (Dubai, Grécia e Espanha) mostram que sabemos poucos sobre as reais condições do sistema financeiro mundial. Parece que estamos numa estrada no litoral: uma surpresa a cada curva.

As crises e as curvas são ótimas oportunidades para fazermos ultrapassagem, pois nessas condições abrem-se janelas que permitem avanços.

Entretanto precisaremos ter carro, pneu, suspensão e piloto ótimos para conseguirmos algumas posições na corrida

 Tarefa nada  fácil, pois  além de tudo isso precisamos torcer para que não tenham  jogado óleo na pista…

Prof Ramiro Gonçalez

Autor do livro: QUE CRISE É ESSA?

Mestre em Ciências da comunicação FIA USP

Engenheiro Produção – POLI

Responsável Inteligência de Mercado – FIA USP

Fundador do Grupo de Engenheiros de Produção da Poli

 Twitter @ramirogoncalez @newronioespm