A calçada da fama é cimentada por tragédias que datam os primórdios do cinema, quando o mundo ainda estava se familiarizando com o technicolor nas telonas. Muitas delas, sobre artistas que cresceram caminhando pelo tapete vermelho de Hollywood. A mais famosa, talvez, sobre a garota que fez história atravessando uma estrada de tijolos amarelos.
Quem ainda não conhecia Judy Garland pelo seu papel em O Mágico de Oz (1939), cantando alegremente sobre paz e arco-íris, pôde descobrir sua trajetória turbulenta através da performance ganhadora do Oscar de Renée Zellweger, no filme Judy (2019). A obra de Rupert Goold retrata uma Garland mais velha, mas ainda assombrada pela garota que deveria ter sido, não fosse todo sofrimento e abuso maquiado pelo seu sucesso na adolescência. Aos dezesseis anos, Judy se tornou um símbolo de Hollywood, algo que carregaria feito uma cruz, para além da sua morte.
Afinal, viver como um símbolo sempre foi extremamente corrosivo. Implica em um número incontável de pessoas mantendo expectativas em cima de quem você é, e muita gente “grande” buscando se aproveitar disso. Coisas que já são um problema para artistas que chegam ao estrelato na vida adulta e que, caso aconteçam ainda durante a infância, deixam marcas assustadoras: quando Garland estava na casa dos 40, ela estava desamparada, quase sem ter onde morar e devia milhares de impostos atrasados ao IRS. Ela se sustentou ganhando cem dólares por noite cantando em bares, enquanto batalhava contra depressão e uma série de outras doenças.
E tudo isso começou muito cedo. Pouco depois de ela ter assinado o contrato com a MGM, o pai de Judy morreu. Ela foi deixada sob os cuidados de sua mãe, a quem a mesma descrevia como “a verdadeira Bruxa Má do Oeste”.
Como parte do grupo de jovens estrelas da MGM, Garland foi forçada a se adaptar a um cronograma extenuante e quase impossível. A atriz costumava fazer dois ou três filmes por vez. Três horas de aula durante a manhã eram seguidas por um ensaio de canto e, logo depois, um dia inteiro de filmagem – às vezes, essas maratonas não terminavam até às cinco horas da manhã seguinte . Não tinha sequer chegado à maioridade quando se viu sustentada por uma dieta de pílulas, tornando-se dependente delas aos 16 anos.
Por gerações, Judy Garland tem sido um conto de advertência para crianças que buscam futuro no cinema. Mas o conforto de Judy, pelo menos em teoria é o de uma história segura no passado. Como era terrível essa época, há quanto tempo foi. Bem, talvez. Neste verão, a BBC exibiu a minissérie Dark Money, sobre um ator britânico de 13 anos abusado por um produtor de Hollywood. A mensagem veio como um choque, a sugestão de uma indústria cinematográfica brutal que se alimenta de jovens artistas.
Precisamos lembrar? Estrelas infantis brutalizadas ainda aparecem nos filmes e séries que assistimos. Alguns sustentam grandes carreiras: Natalie Portman agora fala abertamente sobre sua raiva pela sexualização que sofreu quando era criança. Alguns caem e se estatelam, mas se levantam – me enche de alegria ver a série da Netflix, Santa Clarita Diet, sabendo o que sua estrela, Drew Barrymore, superou para estar nesse lugar.
Aos sete anos de idade, Barrymore era uma estrela de cinema trabalhando com Steven Spielberg, aos onze, desenvolveu um problema com bebida; aos doze, estava viciada em drogas, aos treze é hospitalizada por tentar suicídio e aos quatorze já era emancipada de seus pais. Quando completou quinze anos, Drew Barrymore, conhecida pelo legado centenário da família em cima dos palcos, estava desempregada como atriz e limpando banheiros para conseguir comprar o almoço. Por volta dos seus vinte anos, ela já teria se casado e divorciado duas vezes.
A estrela mirim de E.T teve a oportunidade de dar a volta por cima, mas foi uma das poucas que teve essa sorte (se é que isso existe, quando estamos falando de dinheiro, abuso e Hollywood). Existem os desaparecidos somente nas histórias que eternizaram nos cinemas: um brilho de relance do verdadeiro sucesso que teriam feito, caso tivessem essa chance. Se eles tivessem vivido, Brittany Murphy teria agora 41 anos, Corey Haim, 47, e River Phoenix, 49.
As crianças nos filmes são tão frequentes que, às vezes, você tem que parar um segundo para lembrar como é absolutamente estranho que, neste único canto da vida, elas existam em locais de trabalho para adultos – o que todos os sets de filmagem são. Em qualquer outro contexto, seria visto como absurdo, canteiros de obras cheios de crianças em idade escolar, pré-adolescentes em salas de reunião em mesas ovais.
Marmoreadas ao longo da história do cinema estão as mesmas tragédias de garotas que foram exploradas, como Garland, até se odiar; atores e atrizes infantis abusados e explorados, enquanto muitos sentavam e assistiam. A situação das estrelas mirins ao longo do tempo até os dias atuais e a manutenção dos seus direitos precisam ser devidamente nomeadas e cobradas da indústria cinematográfica.
Por mais que a história de todos esses artistas tenha sido romantizada ou ridicularizada em algum momento, suas dores têm raízes profundas (e, às vezes, até Oscars), pois crescem à medida da ganância inconsequente dos grandes executivos e produtoras famosas. Sendo, muitas vezes, omitidas, para que as pessoas erradas nunca deixem de lucrar com bilheterias milionárias, vencendo premiações que tanto vemos na TV e no cinema.
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