Para falar sobre Arte e Cultura, nada mais pertinente que relembrar o nosso grande poeta Oswald de Andrade ao afirmar que o homem é o animal que vive entre dois grandes brinquedos, o Amor onde ganha, a Morte onde perde. Diante desta fragilidade da condição humana e, talvez para materializar a sua existência, o homem tenha inventado as artes plásticas, a literatura, a dança, a música, o teatro e o cinema. Arte que tem a capacidade de registrar a memória da Cultura. Arte que se entrelaça com o relembrar para dar a ilusão de que estamos reconstruindo/reconstituindo um passado que teima em nos escapar; passado fugidio que é rememorado nas pinceladas do pintor, nas palavras do poeta, no passo do bailarino, no compasso da música, no gesto do ator, em imagens que resguardam um pouco da frágil existência humana: linguagens… Cultura.
Sabemos que estamos passando por um momento crítico, principalmente se focarmos no fenômeno da comunicação, pois somos bombardeados por uma avalanche de informações e não conseguimos processá-las de modo crítico; tudo acontece ao mesmo tempo: imagens, sons, palavras, gestos. Como selecionar o que realmente nos interessa, como acionar o “remoto controle” deste “tudo ao mesmo tempo agora”?
Na literatura, ninguém narrou com tanta fidelidade e poesia temas existenciais tão contemporâneos (a memória e o esquecimento, o amor e a sexualidade, o trágico e o cômico da vida), como o escritor tcheco Milan Kundera.
Toda esta introdução é para falar de “A Festa da Insignificância”, o novo e tão aguardado romance de Milan Kundera, recém lançado pela Editora Companhia das Letras. Nesta delicada história de afetos, centrada em quatro personagens o autor, traça um inusitado paralelo entre a Paris de nossos dias e a União Soviética do passado e, novamente cria uma narrativa que espelha as fragilidades humanas. Ramon, um dos personagens diz: “A insignificância, meu amigo, é a essência da existência. Ela está conosco em toda parte e sempre. Ela está presente mesmo ali onde ninguém quer vê-la. É preciso aprender a amá-la”.
Pode parecer trágica esta exposição ao fracasso do ser, porém percebemos que nas envolventes narrativas de Milan Kundera não há lugar para futilidades e pieguices: ninguém sai impune depois de ler seus escritos, que pedem por um leitor inteligente e crítico. O escritor nos ensina: “Se alguém pudesse reter na memória tudo o que viveu, se pudesse a qualquer momento evocar qualquer fragmento do passado que quisesse, não teria nada a ver com os humanos”.
A grande lição de Kundera: esquecer para poder lembrar.
Doutor em Linguagem e Educação pela USP; Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor de Fundamentos da Comunicação e Semiótica Aplicada na ESPM.
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