Em desuso nos dias de hoje, em que a internet se tornou mais presente porém ainda com a interface tela+teclado, o termo cyberespaço foi, talvez, o maior norteador do imaginário futurista das décadas de 80 e 90.

O “próximo grande passo” parecia estar a alguns bytes de distância: homens interagindo entre si por meio de todos os sentidos em um universo totalmente virtual possibilitado por computadores ligados à World Wide Web. Mergulhar em um mundo de números, conexões e grandes bancos de dados ao alcance das mãos era a promessa do futuro próximo.

Mas quem foi o responsável por cunhar esse termo tão popular nos anos 80 e 90, que pautou tantos filmes, o mais famoso sendo talvez Matrix (1999)?

A resposta é: William Gibson.

williamgibson

Esse nome causa arrepios em qualquer grande fã de ficção científica, e não é pra menos: Gibson revolucionou o gênero ficção científica, tirando as viagens espaciais e a descoberta de novos planetas do foco e colocando a própria sociedade em seu lugar. Se não fosse só isso, o autor é creditado como o inventor do sub-gênero fantástico conhecido como cyberpunk e até mesmo ajudou a popularizar o mais conhecido sub-gênero e dono de uma verdadeira legião de fãs, steampunk.

Nascido em 1948 nos Estados Unidos, Gibson perdeu o pai muito cedo, o que fez sua mãe se mudar para o interior isolado e extremamente conservador da Virgínia, onde passou a maior parte da infância, trancado no quarto ouvindo seus vinis e lendo histórias de ficção científica.

A primeira grande influência literária sólida de seu estilo tão peculiar viria aos 13 anos, quando comprou, escondido de sua mãe, uma antologia de literatura beatnik. O pequeno William se encantou com os personagens transgressores e marginalizados, vivendo vidas alheias à opressora e complexa sociedade capitalista, retratados por grandes autores como Jack Kerouac, Allen Ginzberg e William Burroughs.

Com 18 anos, e em pleno período de Guerra do Vietnã, Gibson teve que se alistar no exército. Em sua primeira entrevista, alegou (como o bom beatnik que almejava ser) querer experimentar todos os tipos de substância no mundo que afetassem sua consciência. Ele nunca foi convocado. Nas palavras do próprio “Eu nunca escapei do serviço militar. Acho que eles só nunca se preocuparam em me convocar”.

Emigrando para o Canadá, Gibson viveu o movimento da contracultura da época. Em certo momento, percebeu que seria mais fácil se matricular em uma universidade e receber uma bolsa de estudos do que trabalhar. Foi no curso de Língua Inglesa que teve contato com o conceito da Pós-modernidade, elemento fundamental de suas narrativas futuras, e também renovou seu interesse pela ficção científica.

Já no final da década de 70 e frequentando eventos de Sci Fi, Gibson passou a se encantar pela visão cética de mundo do movimento punk, seu som sujo e sua urgência de mudança. A deterioração do homem pela sociedade capitalista e o domínio de todas as instâncias da vida pelas grandes corporações, grandes temas de sua obra, tiveram aí sua semente.

Depois de alguns poucos contos, a primeira obra de William Gibson foi , justamente, seu maior livro: Neuromancer. Vencedor dos principais prêmios de literatura fantástica dos Estados Unidos daquele ano e pioneiro do estilo que ficaria conhecido como cyberpunk.

neuromancer

O mundo deteriorado, em que o bem-estar foi deixado de lado em prol do lucro de grandes empresas, que ao mesmo que possibilitam a quem puder pagar implantes cibernéticos e melhorias cerebrais, também obriga a grande maioria da população a viver em um estado deplorável de crimes, drogas e miséria, tal qual os cenários dos filmes noir.

Toda a trama gira em torno de inteligências artificiais e o chamado ciberespaço, definido por Gibson como uma “alucinação consensual”, apresentado como o conteúdo da internet porém acessado como que um videogame de realidade virtual. A trama acompanha mercenários e vigaristas, trambiqueiros, contrabandistas e todo tipo de gente que se vê em uma sociedade cujas leis são tão insuficientes quanto os meios para se ganhar a vida.

Unindo um cenário cuidadosamente erguido com os restos de um século XX desgastado pelo uso com uma rica rede de intrigas e um vilão ambíguo com um propósito ainda menos maniqueísta, o livro consegue apresentar uma história de ritmo alucinante e, ao mesmo tempo, trazer questionamentos tanto de natureza social quando humana.

É impossível ler Neuromancer sem parar pra pensar nos rumos tecnocratas que nossa sociedade tem tomado, bem como o enfraquecimento do conceito de nação, em que as pessoas passam a se organizar mais dentro de corporações do que qualquer outra forma de agrupamento social.

Minha barba. Minha vida.