Hoje é dia comemoração na literatura brasileira: Rubem Fonseca faz 90 anos em perfeita e produtiva atividade. “Histórias Curtas”, seu novo livro de contos acaba de ser lançado e como o próprio título sugere, são narrativas concisas, oferecidas por este magistral e envolvente escritor, que faz da vida de pessoas comuns, envolvidas no cotidiano, aparentemente banal e sem sentido, o tema principal de suas histórias.

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Rubem Fonseca continua o mesmo autor recluso, sempre alheio às badalações de lançamentos literários, recusando-se a falar sobre sua obra ou a dar entrevistas: um enigma a ser decifrado. Neste novo trabalho, revisita suas obsessões temáticas: violência, psicoses urbanas, agressões à burguesia; mas o que chama a atenção do leitor é a sua mais marcante obsessão estilística: a linguagem capsular continua a impressionar pelo vigor e domínio narrativo.

RUBEM FONSECA

Em tempos de agressões deliberadas em vários níveis, nada melhor do que falar sobre a violência, só que de modo estilizado… violência que transmuta-se em poesia (uma narrativa que adoro traz a poesia no próprio título: “Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos” – 1988). Sempre foi assim, desde “Os Prisioneiros (1963), “A Coleira do Cão” (1965) e, sobretudo, Feliz Ano Velho (1975), para muitos críticos literários a obra-prima do autor.

O objetivo de Rubem Fonseca é, sem dúvida, fazer o seu leitor refletir e acordar: um delicado murro no estômago. Desde que surgiu no cenário literário brasileiro, sua escritura causou impacto pela brutalidade do submundo que expressa; seus textos impressionam por revelar a crueldade como algo inerente à condição humana. Lendo seus contos encontramos os eternos paradoxos: a voz do rico poderoso e do pobre desvalido, o embate entre o forte e o fraco, o masculino e o feminino, a tragédia e a comédia. Contos que são cantos contra a barbárie: é como se falando da violência o escritor chegasse mais perto dela e a enfrentasse cara a cara, sem medo do combate.

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Outro combate se trava com e na linguagem. Cada leitor de Rubem Fonseca acaba sendo também um lutador, pois o autor pede por um receptor crítico, forçado a sair do marasmo da linguagem cotidiana e das leituras de fácil consumo (Já leram alguma obra de Paulo Coelho?). Ao investir na experiência do leitor, Fonseca, não raras vezes, impõe a colaboração de quem lê para interpretar dialogicamente a narrativa: o Leitor é agora Co-Autor da obra lida.

No conto “O corcunda e a Vênus de Boticelli” o autor avisa: “O poema pode ser entendido como você quiser, o que já é um avanço, outras pessoas poderão, ou não, entendê-lo da mesma maneira que você. Mas isso não tem a menor importância. O que importa é que o leitor deve sentir o poema e o que alguém sente ao ler um poema é exclusivo, não é igual ao sentimento de nenhum outro leitor”.

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Outro momento instigante: o conto “Eu seria o homem mais feliz do mundo se pudesse passar uma noite com você”, narra a história de Meg, que ao sair para o trabalho encontra um bilhete junto à porta com a declaração de amor que dá título ao texto. Agora estamos diante da metalinguagem: a personagem gostaria de ser escritora e não balconista em uma loja de cosméticos. O narrador explica: “Meg odiava aquele emprego, gostaria de trabalhar em outra coisa, razão pela qual comprara o computador, a impressora e a cesta de papéis, mas não sabia o que fazer com eles”. Rubem Fonseca ironiza com inteligência: as palavras articuladas numa narrativa não seriam como uma maquiagem no próprio discurso literário? Neste sentido o ato de escrever equipara-se à cosmética. O feminino sempre foi tratado de modo imprevisível e poético, neste sentido “Lucia McCartney” (1967) é exemplar e imbatível.

São estes sutis achados que dão originalidade à obra de Rubem Fonseca. Obra construída pra leitores exigentes e singulares que procuram vastas emoções. Parabéns Poeta.

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João Carlos Gonçalves (Joca)

Doutor em Linguagem e Educação pela USP; Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor de Fundamentos da Comunicação e Semiótica Aplicada na ESPM.

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