Por que o anúncio de novos episódios da até então extinta Twin Peaks é algo tão significativo?

Como disse certo entendido uma vez, estamos na era de ouro dos seriados. Não faltam artigos e comentários à respeito da sensacional Breaking Bad, com seu plot intricado e personagens bem desenvolvidos em uma história que ultrapassa em profundidade e potência tudo que o cinema mainstream tem feito ultimamente.

Também se falou muito do recente fim do seriado How I Met Your Mother, que com a premissa simples de um pai explicado para os filhos como conheceu a mãe deles, segurou e encantou amantes ao longo de quase toda a sua duração. Curioso e alguns diriam ousado ter uma série em que o plot central tenha sido resolvido apenas ao final de 8 anos.

Outro marco na história dos seriados foi talvez a mais controversa de todas elas, Lost, cujo complexo roteiro, múltiplos personagens que entravam e saíam de cena a cada temporada, bem como a estranheza ora sobrenatural, ora de ficção científica, que cativava e atiçava a curiosidade de todos. Seu final está entre os tópicos mais debatidos daquele fatidico ano de 2010.

Muitos adoraram a forma como tudo foi amarrado. Muitos odiaram a quantidade de pontas soltas que foram deixadas sem nenhuma explicação. A resposta dos criadores da série? O mistério central foi perdendo importância diante dos relacionamentos dos personagens e do cenário estratificado e cheio de diferentes redes de significados. Os mistérios sem explicação são parte do flavor do seriado, a ambientação que possibilita toda essa estranheza. E, como na vida, nem todos os mistérios têm explicação.

Você provavelmente já ouviu falar de todas essas séries e quase com certeza as enquadraria como marcos na história e desenvolvimento do formato seriado. Mas o que você provavelmente não sabe é que todos esses atributos que elogiamos nesses shows nasceram (ou melhor, germinaram) em um único seriado, quase 25 anos atrás: Twin Peaks, criado por Mark Frost e o genial diretor de cinema David Lynch.

A garota mais popular de uma pequena e fria cidade isolada nas montanhas é encontrada morta. Vítima de um assassinato, a caridosa, estudiosa, generosa, filha perfeita, amada por todos é encontrada à margem de um lago, envolta em plástico.

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“Quem matou Laura Palmer?” foi o mistério que pautou o episódio piloto do seriado, que narra a chegada do excêntrico detetive Dale Cooper para desvendar o caso até sua aparente resolução.

Mas o caso se resolve já no episódio piloto? Como assim? Simples: o seriado era uma aposta ousada. Produtores e executivos estavam bastante apreensivos quanto à sua recepção por parte do público então lançaram um piloto que poderia ser, mais tarde, lançado como um filme para a televisão.

Provando que investimentos ousados, que investem em obras transgressoras que vão contra os paradigmas da época, podem dar certo, o piloto foi muito bem recebido (e eleito pela TIME um dos melhores pilotos de série da história).

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Ao longo da série, cada personagem, aparentemente comum, daquilo que parece ser uma pacata cidade se transforma, aos poucos, em um estranho nó da rede de bizarrices que permeia a tudo e a todos no lugar.

O seriado foi um dos primeiros a trazer o estranho, o bizarro até, para a TV, seja nas incursões sobrenaturais ou mesmo explorando facetas absurdas em temas banais. Era algo novo. Era algo popular. Era algo BOM.

Ao final da primeira temporada, com todos sentados à beira do sofá prontos para pular de emoção na resolução do mistério, outra surpresa: nenhuma resposta no episódio final, apenas mais perguntas.

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O mistério só foi resolvido na metade da segunda temporada, mais por insistência dos fãs e pressão dos executivos do que por qualquer outro motivo. Para os criadores, a jornada deveria ser mais agradável do que o destino (o que a gigantesca debandada de público nos episódios pós-revelação pareceram confirmar).

Ninguém havia feito isso antes. David Lynch e Mark Frost abriram o caminho para os seriados tal como os conhecemos agora. Assassinatos, sobrenatural, assuntos tabu para a TV no final dos anos 1980 ganharam, de repente, espaço e interesse. O seriado que mais é lembrado por tratar desses assuntos, Arquivo X, foi uma consequência direta de Twin Peaks.

Há 25 anos, em um sonho de Cooper, a imagem de Laura Palmer anuncia, para a tela, que voltaremos a nos ver em 25 anos. Agora, passados esses anos, todas as preces dos fãs e órfãos do seriado foram finalmente atendidas: em 2015 uma minissérie de 9 episódios está programada.

Uma nova oportunidade para os saudosistas revisitarem a estranha cidade e, melhor ainda, uma grande oportunidade para quem está chegando agora conhecer esse maravilhoso trabalho televisivo.

 

Minha barba. Minha vida.