O primeiro dia oficial da E3 2014, 10 de junho, também foi meu primeiro dia oficial em qualquer uma das E3 que já existiram. Essa é uma feira bastante peculiar e diferente de todas as outras feiras do universo tecnológico do cenário internacional que eu já estive presente. O tamanho do evento, o clima, tudo me chamou a atenção, mas o público merece uma reflexão maior do ponto de vista de negócios, e como é essa a minha função aqui, analisar a feira sob o ângulo de Business, foi o que procurei fazer ao longo das 6 horas oficiais de evento hoje e mais as duas horas de evento pré-show da Sony, na segunda-feira.

Essa feira é mais do que um evento de negócios, é uma homenagem ao público consumidor de jogos. É claro que se podem ver senhores grisalhos, em seus ternos alinhadíssimos, conversando sobre negociações que possivelmente envolvam algumas centenas de milhares de dólares, mas há na E3, dois grandes públicos presentes: a mídia especializada de todo o mundo (vi equipes da Alemanha, Noruega, Espanha, Austrália, Japão, Coreia do Sul, Holanda, Argentina, Chile, Áustria e França. E essas foram somente as que eu consegui identificar) e o público consumidor em geral. Se considerarmos que essa mídia especializada é focada nesse mesmo público formado por gamers dos mais diversos “levels”, entendemos que tudo se resume a eles – os consumidores de games!

Passei o dia tentando analisar esses consumidores e seu comportamento na feira (não se esqueçam que eu estou acompanhado de um dos maiores experts de games do Brasil e que também é gamer!). Foi difícil no começo da feira me adaptar ao seu comportamento. Era quase como levar uma criança em uma loja de brinquedos ou de doces. Ela vai querer experimentar todos, testar, comparar, elogiar, criticar, mas durante todo o período, seus olhos estarão brilhando e o sorriso estará sempre no seu rosto. Todavia o Vince, é um estudioso do assunto, e portanto, não serve como objeto de estudo, então tinha que me separar dele e explorar mais esse universo. Foi o que fiz.

Lembrei-me que no dia anterior, na apresentação especial da PlayStation, havia uma mulher, asiática, na casa dos seus 30 anos, acompanhada de seu namorado (pelo menos foi essa a minha impressão) que a cada apresentação de trailer de jogo, suspirava, gritava, aplaudia, assoviava, tentava adivinhar o que seria apresentado na sequência, se frustrava ou tinha as expectativas superadas, e quando isso acontecia, era nova sequência de gritos, aplausos e assovios. Seu namorado passou os mais de 100 minutos falando coisas como: Wow!!!!, No way!, Get out of here!, e estava tão excitado quanto uma criança que ganha um pet filhote de aniversário. Claro que nesse dia, como era uma apresentação de uma única marca, achei que poderia ter sentado do lado de um caso de fãs (defensores da marca) que poderiam ser exceções, pontos fora da curva, etc. Mas, acredite, não eram!

Hoje, vi dezenas de pessoas vestidas como seus personagens de games preferidos e passando horas em filas que facilmente poderiam ser comparadas àquelas enfrentadas por fãs de bandas internacionais, ou por seguidores aficionados por gadgets de marcas famosas, por torcedores de times de futebol em final de campeonato, ou como vi em São Paulo, no dia anterior a minha partida, pelos integrantes da Marcha para Jesus. Essa condição me fez refletir mais ainda sobre esse público. Seria possível compará-los aos religiosos mais fervorosos, ou aos torcedores de futebol? Que implicações isso teria para essas marcas? Pois é, esse é o grande desafio deste evento, segundo me falaram executivos de diversas empresas com quem conversei.

Certamente toda marca quer ter o máximo de seguidores e fãs (no sentido mercadológico, não de redes sociais, mas também esse), no entanto esses, apesar de importantes consumidores e formadores de opinião, não são tão grandes em termos de volume e, como para qualquer outro bem de consumo de massa, volume é importante. Então, é preciso ampliar a base instalada, aumentar o número de gamers, conquistar mercado dos concorrentes, etc., mas movimentos nesse sentido podem gerar reações contrárias passionais, que beiram a irracionalidade por parte desses fãs e atrapalham o negócio como um todo. A linha é muito tênue e pelo que pude perceber, já houve, no passado recente, diversos casos de desagrado ao público hardcore durante a E3, que deu muita dor de cabeça aos profissionais que comandam o show em suas respectivas empresas.

Esse público é sensível e devoto. É composto por pessoas que amam tanto personagens ou marcas, que são capazes de jogar uma partida de Dance Central (Jogo para Xbox com a utilização do sensor de movimento Kinect) com uma caixa na cabeça (peça de sua fantasia), ou passar o dia com o cabelo e/ou a roupa de um personagem de jogo ou usar orelhas pontudas postiças (desses vi vários). Pude ver também pessoas que estavam desde a abertura (há mais de 3 horas), em uma fila para jogar a demonstração de um jogo cuja previsão de lançamento é março de 2015!

Presenciei também grupos de gamers de plataformas opostas em discussões bem acaloradas defendendo as ‘suas’ plataformas em conversas que pareciam mais um julgamento (no qual as partes ao mesmo tempo em que se defendem das acusações, tentando desqualificá-las, partem para o ataque, apontando fraquezas de seu oponente) ou mesmo as discussões não violentas de bar (nas saudosas épocas em que isso acontecia) em dia de Clássicos Regionais.

É nesse universo passional que os responsáveis pelas apresentações e estandes das grandes marcas mundiais de games devem trabalhar. Ampliando as fronteiras, agradando os gregos e arrebanhando troianos e, na medida do possível, mantendo-os todos devotos aos seus ‘Deuses’, que por vezes são os mesmos. O importante é que todos saiam desse evento felizes e continuem ‘orando’ às suas divindades e ampliando ainda mais esse reino que movimenta 100 bilhões de dólares por ano no globo.

De Los Angeles, diretamente da #E32014 para o Newronio ESPM.

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