No início desta semana, o apresentador e humorista Jô soares fez, na apresentação de seu programa, um depoimento doído e franco sobre a morte de seu filho. O vídeo de sua fala foi bastante difundido pela internet.

 

De início, Jô foi ao ponto: ele acabava de passar pelo pior pesadelo de um pai: a inversão da ordem natural das coisas, a morte de um filho. Depositamos sobre nossos filhos um amor potencializado: reunimos nossa própria auto-estima e ideais, purificamos isto do constrangimento que costumamos sentir por nossa vaidade, e depositamos sobre eles um amor passional puro. Ouse não curtir as fotos que postamos deles, tão lindos comparados aos “cara de joelho” que são os filhos dos outros!

O que aprendemos a aguentar sobre nós, o que aprendemos a renunciar de nossas fantasias onipotentes, a autocrítica que precisamos desenvolver: tudo isto está suspenso em nossa estima sobre nossos filhos. Nosso senso de realidade nos obriga a criar uma “reserva ecológica mental” de esperança no futuro, lá quando tudo será melhor e terá valido a pena. E não há forma maior de tangibilizarmos esta esperança no futuro do que trazendo à vida um novo ser.

Uma condição especial acompanhou este filho do Jô: ele era autista. Assim, sua condição de vida trazia dificuldades maiores na direção da conquista da autonomia. O autismo tem graus e variedades de comprometimento, o que faz com que por vezes ele seja quase imperceptível a um leigo. Segundo o Jô, a condição específica de seu filho o manteve com uma mente de criança. Numa cultura que valoriza tanto a autonomia, uma condição em que ela não se dê é considerada um estigma pesado.

As preocupações que todo o pai tem com o futuro de seus filhos são bastante potencializadas nestas condições. Da descoberta de uma condição limitante à adaptação à esta nova realidade, – que frustra aquelas nossas fantasias onipotentes- há um longo caminho. E é no embate com esta frustração que pode ou não emergir num pai e mãe, para além de suas projeções narcísicas, a capacidade de amar seu filho. E o Jô dirigiu palavras de agradecimento à ex-mulher por sua dedicação ao filho que tiveram juntos.

Tudo isto tornou tão comovente seu depoimento. Além de palavras serenas e bem elaboradas, chamou-me a atenção a capacidade de simplesmente estar ali em pé, falando de uma emoção tão bruta e recente. Ao lado de tantos outros que sentiram compaixão pelo Jô, e que já o vêem há tantos anos como uma persona midiática, alinho-me numa renovada admiração por ele.

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Pedro de Santi

Psicanalista, doutor em psicologia clínica e mestre em filosofia. Professor e Líder da área de Comunicação e Artes da ESPM.

   

 

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